segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Não tenho nada com isso, nem vem falar...

Resisti até agora a cometer qualquer tipo de comentário a propósito da cannabis sativa e o nosso tempo. Nosso, entre parênteses. Ou parentes. Nossos aderentes.
Vendo uma foto, preto e branco, nós, os amigos, lá de calção e tudo. Quantos anos! Eles, que já se foram, e eu, um cara que ainda acredita em alguma coisa. Pois desisto de resistir e falo da marijuana. Faço de forma oblíqua, marginal. Pior do que superficial.
Ando meio desligado, como música de Mutantes. O Tino Gomes ‘conversa’ pelo MSN e diz que ando saudosista. Chega de saudade! A realidade é que sem ela não há paz, não há beleza, é só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai!
Quero apenas registrar um tempo que, se não o fizer, passa. Como tudo passa...
Por exemplo, o tempo de Roberto Luiz Veloso Costa, nosso Bob da fazenda Vargem Grande. E seus chás. Desaparecido pelas Brasílias da vida, reapareceu, casado. Saia, durante a semana, pelos montes ao nosso redor, a procura de cogumelos... E aos sábados à tarde, pedia emprestado a panela de pressão. Depressão maior não havia! Aquele caldo vermelho-sangue, que fazia o Virgilio de Paula fazer cara ruim e correr para brincar com Edgar Alan Pöe, nosso macaco de estimação, do qual ele era o padrinho... Só ele, Bob, se servia e ficava a ver os pássaros. Que só ele via. Era noite.
Teve o tempo de Tiãozim Comunista, com seu bolo de marijuana, que efeito nenhum dava. Apenas aquele cheirão esquisito pela casa, enquanto assava ao som da Billi Holliday na velha Gradiente e o ‘deixar relaxar’, para ver o que vinha depois. Ou seria a música ‘Revolution nº 9’, dos Beatles? Talvez o Georgino Junior lembre melhor.
O tempo parou de repente naquele 10 de fevereiro de 1978, em que Si Baixim resolveu fritar uma porção de maconha – que ficou úmida por estar escondida na cumieira de sua casa, no Morrinho. Enquanto isso, na sala, Rai Colares desenhava rostos e gostos, e à maneira de Sid Vicious, dançava embrulhado numa bandeira do Brasil a música ‘Bandido Corazon’. Goiabão poetizava Americana Pátria, morena, quiero tener guitarra y canto libre!
Acabamos todos nós indo para o Bandeira Dois, comer uma sopa de legumes com caldo de feijão.
A lista dos que fumaram maconha pelo menos uma vez na vida, é longa: Baudelaire, Bill Gates, Shakespeare... Pra ficar naqueles de lá. Baudelaire sugeriu, depois de um tapa, para “embriagarmos de vinho, poesia e virtude”. Coisa mais bonita!
Um dos meus amigos mais chegados achou horrível a “tal da maconha”, mas o cheiro, ótimo. Tanto que usa até hoje seu perfume.
Na minha tenra juventude, as transformações foram muitas e radicais. Existiam os direitistas e os rebeldes sem causa. Afinal, todos devemos encarar nossas parcelas de solidão.
Nu, cru e lavado!
Era época de Emílio Garrastazu Médici, quando a turma se especializava na arte de burlar a democracia. O que importava para eles, os milicos, era a ditadura. A maconha estava liberada. Pelo menos no país dos Montes Claros.
Era época de desenvolver a alma. Tudo previsível.
Mas a vida faz as coisas imprevisíveis. Nunca acontecem daquele jeito que se quer. E as coisas imprevisíveis acabam levando a vida.
Dia destes Bianca, minha filha, estava assistindo ao filme ‘Hair’ comigo, quando veio com essa: – Já sei por que aquela sua amiga anda com estas roupas. Ela continua chapada na época do flower Power”.
Interessante a observação.
Àquela época, assistir Hair em Belo Horizonte era uma dificuldade. Mas ver Armando Bogus, Altair Lima, Araci Balabarian, Sonia Braga, Bibi Voguel... era demais. E mais ainda, escutar Aquarius; Donna; Manchester, Inglaterra; Fácil Dizer Não; Hare Krisha; Bom Dia, Estrela e Deixe o Sol Entrar? Era um desbunde total!
Aquela melodias espontâneas, os ritmos excitantes, as idéias das letras, das canções. E Sônia Braga! Entre os que se encantaram com Sônia, estava Caetano Veloso que compôs Tigresa em sua homenagem. Sônia era a tigresa de unhas negras e íris cor de mel, que trabalhou no Hair.
Emoção maior era assistir a peça pela segunda vez. Pois Hair não é espetáculo para uma vez, é para se comprar o filme e assistir ainda hoje. Pena que a peça de teatro não fora gravada.
Cada vez que você vê o filme, descobre muita coisa que passa despercebida, como acontece com certa sobras musicais de valor. Cada vez gosta-se mais e mais se aproveita.
A gente era jovem naqueles anos, e tínhamos muito a reclamar. Ou não. A gente se reunia nas casas para falar de poesia. Foi assim que nasceu a Academia Juvenil de Letras. Foi assim que se criou o Catibum! Nós nunca deixamos de ser loucos!
Naquela época existiam aquelas moças de família e as outras. Estas outras se divertiam mais. Davam mais. Agradavam a gente mais.
E peregrino do max flower, Ricardo Xarope, tinha um chame desgraçado de simpatia para elas. O que sobrava... seria para nós.
Naquela época, os marginais que éramos não sabiam que iriam acabar virando uma instituição.
Sinto hoje, nestes Montes Claros, o que há muito não sentia. As cousas não tem segredo no corredor dessa casa, onde escrevo tranquilo na copa das árvores.
Nós estamos semeando, companheiros, no coração, manhãs e frutos e sonhos.
Nós preparamos, companheiro, sem ilusão, um novo tempo.
Que já está aí.
E o céu se rirá d’amore no olho azul de Zildete, aquela amiga de Marta, que tem tantos anos não vejo. Cigarra sem horizonte. Cadê você, menina?
É como o quadro do Konstantin sobre a parede gris da solidão.

Montes Claros, terra do encantamento

“Nestes Montes Claros, meu sertão mineiro, todo mundo sente que é brasileiro”, canta Dulce Sarmento.
Pois Montes Claros é a cidade onde o povo ousa sonhar e realizar seus sonhos. É a cidade onde existe uma Praça da Matriz como em outras aldeias, mas também um morro Dois Irmãos, um arroz com pequi acompanhado da seresta ao luar. É a terra que tem além de uma igrejinha em cima do Morrinho, cachaça e carne de sol pra saborear num mercado que poderá vir a ser modelo, existem pessoas. E uma cultura sempre presente em todos os cantos. Inclusive dentro de cada um de nós, montes-clarinos sertanejos de Rosa.
Mas para que ela continue vivendo dentro de cada um, é preciso permitir que as novas gerações desfrutem da tradição e a mantenha viva.
É necessário fortalecer as associações e entidades culturais, universalizar os direitos e serviços culturais permanentemente.
É necessário juntar o ontem e o hoje, o velho e o novo, e dar prosseguimento.
O escritor, poeta, artista e encantador Georgino Jorge de Souza Junior lembra que quando da criação do grupo Catibum, aqueles jovens dos anos 1970 (meninos de 20 e poucos anos) queriam mostrar o novo que eram. Revolucionar, participar de uns novos montes claros. Hoje, eles querem abrir o espaço para os novos, mesmo novos de cabeça. Pois a cultura não é estanque, é algo vivo e fluido como um rio no seu curso.
É claro que é preciso ter cuidados.
Montes Claros cresce muito culturalmente todos os anos.
João Batista (Joba) Costa, quando aqui chegou, aos 10 anos de idade, disse que a cultura dessa terra o pegou e tomou conta do seu ser.
Montes Claros é assim.
Uma cidade com uma intensa vivência de manifestações culturais.
Para se tornar universal é preciso, acima de tudo, conhecer a nossa aldeia, como a chama Augusto Vieira, meu Bala Doce querido.
E ela, como mostra o escritor Bala Doce, não está limitada geograficamente e historicamente a um local.
A alma de seu povo é viva, cheia de gostos e costumes característicos. Preserva sua identidade e perpetua sua história.
Montes Claros é a cidade da arte e da cultura. É a cidade que montesclareou como na lenda de uma linda canção.
É a cidade da Feira de Arte e do Artesanato, da Festa Nacional do Pequi, do Conservatório Lorenzo Fernândez, do Festival de Forró e Quadrilha, ou de apenas colocar o Papo em Dia num boteco qualquer, num fim de tarde qualquer.
É o local da Casa do Artesão, da FLIMC – Festa Literária Internacional de Montes Claros, do Psiu Poético, do ProMemoc, da Mostra de Teatro, do Museu do Folclore, Circuladô, das festas de Agosto, do Festival Folclórico, Festival Internacional do Folclore, Semana da Consciência Gay, da Consciência Negra e das Folias de Reis. Devo ter esquecido alguns, já que são tantos.
É aqui que está o Parque da Lapa Grande, o Consórcio Literário Oficina das Letras, o sobrado dos Maurício e o solar dos Oliveira, a Terça Cultural e a casa da Arte & Ofício, onde se aprende a construir rabecas, violas caipiras e a montesclarear, como quer Eduardo Goiabão Lima...
Montes Claros é a cidade de Dona Eva Barbara, Yuri Popoff, Godofredo Guedes, Márcia Prates, Darcy Ribeiro, Roxa, dos meninos do Grupo Agreste, Hermes de Paula e Yvone Silveira, Miguel Marujo, Ray Colares e Nossa Senhora do Rosário. Terra do encantamento.
É terra do jucapratismo, da música belo-horizontina de Beto Guedes, das artes e manhas de João Rodrigues e Konstantin Christoff, da melodia holandesa de Marcelo Godoy, do prazer de se falar no Lês Cherries, Zezé Colares, Mamãe-vovó, Catira, Tino Gomes, Zé Coco do Riachão, Armênio Graça, dos meninos do Grupo Raízes e São Benedito. Terra do viver encantado.
De João Chaves, Yara Tupinambá, Cyro dos Anjos, Urze de Almeida, Sebastião (Ducho) Mendes, Zanza, Joaquim de Paula, Carlos Muniz, Cândido Canela, Amelina Chaves, Amelinha Souto e o Divino Espírito Santo, além dos reis, imperadores e festeiros. Terá do encantar.
A cultura da cidade encanta a todos que a conhecem.
Ela pertence a todos e a cada um.
E a descentralização das ações culturais tomadas ultimamente proporciona uma proximidade maior do povo com seus eventos.
Isto, sem se apropriar dos saberes deste povo.
Deve-se deixar que o artista viva a sua arte.
Como diz Wanderlino Arruda, é até pecado falar de todas as vantagens que Montes Claros têm, pois não gostamos de fazer inveja.
Montes Claros é o centro do Paraíso terrestre.
Montes Claros já está montesclareada.
Falta seguir em frente.
Falta virar o centro do mundo.