sábado, 29 de janeiro de 2011

Pra conhecer Leya Bloodymary

Leya Bloodymary tem os cabelos desgrenhados, a boca rósea e um par de pernas suculentas. Tem um jeito de olhar estranho. Olha para as pessoas de baixo para cima, como se fosse de cima para baixo, estudando o comportamento.
Houve uma época que gostava de fumar maconha. Hoje em dia só de quando em vez, em casa, no sossego da madrugada. Onde gosta de fica escutando Caetano cantar “Sozinho”. Adora vinho, uísque e cerveja. Gosta de tomar banho de sol ou passar o dia nos shoppings, olhando vitrines. Não se apaixona, não consegue segurar um afeto. É um personagem dramático. Já teve noitadas regadas a fileiras de cocaína e fez sexo como quem troca de roupa. Agora, a figura está mais calma. Mas se lixa para o resto. Diz que viveu o vazio dos excessos.
Sua mãe era louca por circo e pela cantora Maysa. Cantarolava pela casa ‘Alguém me disse que tu andas novamente/ De novo amor, nova paixão todo contente/ Conheço bem tuas promessas, outras ouvi iguais a essas/ Esse teu jeito de enganar, conheço bem”.
Levou Leya para Belo Horizonte, a capital de Minas, diversas vezes, para assistirem filmes ou simplesmente andarem pelo parque municipal. Ali, ela ficava apreciando os barcos no lago e a mãe, louca, com olhos arregalados, segurava um cigarro entre os dedos por quase uma hora antes de acender e tragar gostosamente. E conversava com Léo, sua amiga de muitos anos da Santa Casa de Misericórdia.
Leya lembra muito de Léo. Era sua madrinha, fazia seus gostos. Um dia, por causa de nãosesabebemoque, Léo entrou em coma. Os médicos diziam ser um coma flutuante. O que era isso até hoje Leya não sabe. Algum tempo depois Léo subiu aos céus. Só pode, devido a sua alma boníssima e seu peso, um tanto quanto avantajado.
Passava horas com a madrinha, que ficava com os olhos abertos, reagia aos assuntos que lhe contavam, principalmente aos sexuais, mas não interagia com o mundo. Parecia representar a comédia da vida, estando mais morta que viva. Um cadáver animado. Morreu assim, como passarim. Mas sem pedrada.
A mãe de Leya não chorou no enterro. Quando seus olhos pareciam marejar, dava um volteio qualquer e ressurgia forte com o cigarro entre os dedos. Apagado. Para ser aceso quase uma hora depois.
Leya Bloodymary gosta de viver atrelada à noite e ao consumo, com um ciclo de vida repetitivo de novas descobertas nos mesmos lugares. Lê Charles Baudelaire e Paulo Coelho, Augusto José Vieira Neto e Carlos Drummond de Andrade.
Diz ter cantado com Reinaldo Nunes, Luiz Guedes, Herbert Caldeira e Geraldo Madureira no grupo “Os Eremitas”, na década de 1960 - ou por ali. E ai de quem duvidar. Mostra uma gravação em uma fita de rolo antiga, em que mal se distinguem vozes e guitarras. Também tem fotos das apresentações, mania que guarda até hoje. Tem até um blog na internet onde as publica.
Itamaury Telles diz que era bonita e gostosa, como música das Frenéticas. Na verdade, uma tigresa de unhas negras e iris cor de mel, uma mulher, uma beleza, que lhe aconteceu, com pêlos tremendo ao vento ateu. Gostava de política e até posou para a Playboy.
Sei que Leya tem uma coleção de revistas de sacanagem, das antigas, aqueles catecismos de Carlos Zéfiro. E consegue se excitar todas as vezes que as lê.
De quando em quando fica louca doida varrida por uma música bate-estaca e a ouve horas sucessivas tempos seguidos. “Aos 15 anos entrei numa boate e nunca mais saí”, costumava dizer, com olhos fundos, de quem não dormiu direito. É como uma obra de Picasso, onde os pontos de vista são múltiplos e observa-se a superfície.
Leya vive atualmente no centro da cidade, perto do antigo Cine Montes Claros, numa quitinete, quase sempre sem grana mas não esquecida pelo povo.
Nos anos 70, participou da banda The Wilds, os selvagens do Tino Gomes. Não era grupo de rock, nem conjunto de música de baile, mas uma coisa entre um e outro que até hoje não sabe explicar. Fez backing vocal, como havia feito n’Os Eremitas. Só não tem provas. Nem mesmo uma foto, ela que é uma aguerrida fotogastrica.
Hoje, fica perambulando pela Avenida Sanitária, caçando ninfetas, pedregulhos sem ilusões. É patético ver um velho personagem que poderia ter saído dos quadrinhos num mundo de jovens, querendo parecer um jovem. O tempo tratou de colocar tal personagem no devido lugar: nem tanto no céu, nem tanto no inferno.
Uma vez, louca, pelas ruas andava. A coitada chorava, transformou-se até em vagabunda, personagem de tira de Márcio Leite. Depois, mais alegre, resolveu que sua vida seria de patricinha. A mudança não era tanta, mas continuou personagem. Agora com estórias escritas pelo Aldous Huxley ilustradas pelo Georgino Junior.
Leya sempre acreditou que os marcianos estão infiltrados entre nós. Cita até alguns viventes e outros, já morrentes. O que não vem ao caso. Agora.
Gostava de ir ao Ponto do Paulinho, na Malhada dos Santos Reis. É ainda hoje o ponto de encontro de amigos e pessoas simples e puras. Não vai lá faz um tempo.
Leya gosta de ser chamada de Bodanzky, e se considera uma vaca sagrada da terra de Gandhi. Não há travesti sagrado, divindade mirim, bovino endeusado ou piloto de elefante que resista a suas maluquices, sua esquisitice, sua genialidade ou suas mágicas.
Une o passado e presente, sagrado e mundano, real e fantástico, comédia e terror. Não há nela qualquer vestígio da busca do inusitado pelo inusitado, do artifício pelo artifício, do artístico pelo artístico.
Difícil conversar com ela por causa das pausas, das reticências, dos silêncios. Mas vamos conhecê-la melhor.
Ah! Se vamos...

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