sábado, 29 de janeiro de 2011

Um caso de amor com a jurisprudência musical

Danilo Campos tem uma fé cega em sua arte. Que não está presa entre as quatro paredes de um fórum do interior. Ali está, apenas, sua vida. Sua alma roda aqui fora, em sua arte. E sua arte é viva, é sua vida. O artista-juiz é um caso interessante dentro da jurisprudência musical. Questionador, inquieto, rebelde (com causa?), acredita que não tem nada certo. Tudo é improvável, tudo é duvidoso.
Danilo teve sua formação musical oriunda das rádios dos anos 1960/70, que as menininhas, trazidas do interior para sua casa, em BH, ouviam na cozinha. Ganhou um violão aos 13 anos, da mãe dona Julinda, professora primária. Ali deve ter começado tudo. Tiveram início as canções, pois os poemas já deviam estar anotados nos cadernos de escola. Fã de Castro Alves, Roberto Carlos e Raul Seixas, briga com ele mesmo por não conseguir ser tão (ou mais) agitado que o homem da “Mosca na Sopa”. E mais romântico, não chegando a compor algo como “O Côncavo e o Convexo”. Mas está lá, it’s over baby, nosso show já terminou, c’est fini... O romantismo e o rock vem desta época adolescente, da Belo Horizonte tranquila, de se passear aos domingos no parque municipal Américo Renné Gianne, andar de barco no laguinho, comer cachorro quente nas Lojas Americanas, tomar sorvete Kibon no carrinho da esquina das ruas Curitiba e Guajajaras, em Lourdes. O romantismo também deve ter vindo com ele. “Deliciosamente romântico”, como o define Feli Tupinambá.
Mas o momento rock também vive ali dentro. Ainda hoje vai por aí, sem destino. Easy rider! Mas tem pressa de chegar. Segue em frente, vai até onde puder, onde Deus quiser. Pois foi seguindo em frente que chegou a Montes Claros, em 1975. Aqui estudou, foi advogado, é juiz, e neste ínterim, levado para outros caminhos, se distanciou da música, sua paixão de adolescente, embora ela estivesse sempre presente, talvez em cima do sofá, junto ao violão.
Não é um deja vu, mas voltou-se ao passado, coisa que a vida só agora deixa. Afinal, vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes, já dizia Rosa. Bom ter guardado suas memórias da adolescência em pastas da vida (eu guardei meus cacarecos em cadernos de viajem).
Demorou muito para lançar este segundo disco. O primeiro considerado filho temporão. Chega na hora certa pois fala, fantaseia, emana o inesperado, fruto da fé constante e do coração agitado pelas turbulências da paixão. O outro foi de interpretações gerais, de outros. Deixa no canto da estante. Quem sabe, um dia, quem sabe...?
“Poemas e Canções” traz coisas ruins e boas, como alguns grooves de baixo, doçura norte-mineira, proesias feitas de prosa e da própria poesia. Mas falta o poderio da voz. Jorginho Santos tinha poderio de voz, mas nem tanta inspiração, embora transpirasse pra caralho. Belchior tinha uma puta imaginação sonora, fez músicas incríveis, mas falta voz. Elis era só voz, como Gal, só étero. Mas isto não chega a intrometer na conversa. O CD soa completamente atual, embora não pareça num primeiro momento.
Não é um disco comercial. Ainda mais nesta época da música ser encontrada na internet, a um click de qualquer um. E de graça! Mas, comercial o que é? Ter seu trabalho reconhecido por inúmeros personagens da vida, comentados, ou vendidos por piratas na feira da esquina? Certa vez encontrei com o cantor e compositor Tino Gomes e disse ter comprado seu CD “Põe com Bôrra!”, o 10º de sua carreira, numa loja do shopping popular. “Pô, enfim estão me copiando. Daqui a pouco serei conhecido nacionalmente!”, falou, contente. Então, o que é ser comercial para quem, como nós, vivemos no interior do interior, do outro lado do lado de lá, longe de onde está o comércio das grandes gravadoras? Do jabá? Acho que ser comercial para nós. É isso: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, o de que um tira prazer de estar próximo, falar da música, cantar a canção.
Acho que Danilo sempre tratou a música com respeito, como ela deve ser tratada. Embora homem de leis, a música parece ser sua religião. Aparece tardiamente, mas “Poemas e Canções” é mais que merecido. Em algumas canções induz o ouvinte a imaginar o cenário da história. Em outras, se mostra brega, chique. Em outras, ainda, é assoprada na vaidade, é a alegria que dá chama. Existe aquela música que ouvida pela primeira vez, é um deslumbramento, o que é bom. E existe aquela que ouvida várias vezes, tem seu momento bom, mas ainda não tem vez.
A candidata a tocar na frequência modulada de Paulinho Narciso, do Benedito Said ou do Serginho da 95, é ”Louco por Você”. A mesma historinha de amor com uma canção fácil, que não tem medo de ser mais pop. É cantada sem muito frenesi, bem relax, guitarrinha chorosa no início, backing vocal gostoso no meio. Vive em realidade o que eu vivia em fantasia. Não tem jeito, a música cabe perfeitamente numa programação de FM, entra na cabeça do povo.
Agora “Tanto Faz”, nos remete as breguices mais gostosas, a breguice de todos nós. Veja bem, eu não lhe quero mal, de jeito nenhum. Aprendi nestes anos e enganos não tentar me provar o contrário. A gente tem seu momento brega sim, e pronto! Se não fosse assim, não falaríamos em um irritante mamanhês e num curioso diminutivo. Amorzinho, nenénzinho, docinho, fofinho. Isso sem falar dos apelidos íntimos. Nosso gosto musical cai exponencialmente, num surto louco a gente ouve meteoro da paixão, princesa, sorria, e todas essas bizarrices românticas e apelativas que brotam como se fossem praga. No fundo no fundo, todo mundo adora ser o neném de alguém e ter um fofucho pra chamar de seu... “Tanto faz” é ótima candidata para os dois tipos de emissoras, AM e FM.
Mas o CD do Danilo Campos tem mais. Existem registros íntimos saborosos, momentos bons e momentos ruins, é claro. Como qualquer um que se arrisca a gravar, é um disco de altos e baixos. De guitarras e teclados. De coro e gaita. E sax e violão, cavaco... E até craviola.
Tem a guitarra swingada de Warleyson Almeida seguida da costura dos teclados programados pelo Wanderson Almeida. Isto tudo acompanhado pelo baixo de Kelson Martins, que arma a cama para o novo cantarolar sem destino. Fugindo do lugar comum, vagando por ermos, perdido, em ruas de contramão. Sem Destino, Easy Rider! Que nos remete a Steppewolf (que lembra The Pusher/Born t’o be Wild), Birds, The Jimi Hendrix Experience... Danilo deve ter bebido na fonte, pois colocou uma banda criativa na cozinha. Que explora a sonoridade musical, ajudando na voz, que não ajuda muito. Mas, fazer o quê?
“Poemas e Canções” tem temperatura pop numa fórmula maluca que mistura o rock, o techno, o progressive, o blues, balada, bossa nova, brega gostoso e até samba rock. Chique, bem! Danilo Campos deve, a partir de agora, ajustar o foco e deixar as idéias amadurecerem um pouco mais. Embora existam músicas de safras antigas e novas, tudo junto e misturado, acho que daqui pra frente, tudo vai ser diferente... Que venha o próximo!

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