domingo, 21 de novembro de 2010

Como el musgito em la piedra, ay si si si

Chego a casa no domingo à tarde, após 48 horas numa quimo, e vou logo querer ler os jornais, antes mesmo do banho pra deixar a mumunha pra lá. Informação sobre minha montes-clarina cidade. Revisto tudo, nota, notinhas, noticia, gerais, policia, esporte, sociais... Meus olhos fixam na coluna da Kátia Geralda Batista e os fragmentos de Perhaps Love. Lembro da canção imortalizada por John Denver e Plácido Domingo e tento até cantar com minha voz de taquara rachada.
“Talvez o amor seja como um lugar de descanso, um abrigo da tempestade/ Ele existe para te dar conforto, ele está lá para te manter aquecido/ E nas horas de turbulência, quando mais você está sozinho/ A lembrança de um amor te levará para casa.”
O amor é interessante. Já perdi amores por escondê-los. Já acreditei em amores perfeitos. Já decepcionei pessoas que me amaram.
Descobri, por estes dias, que a gente tem um grande amor na vida. Só uma vez. Alguns, o deixa guardado como um fantasma. Os grandes amores, parece, não são para ser vividos. São só para sabermos que existem. Ou não? Ou ainda vamos vivê-los? Vamos retirá-los daquele local onde estão guardados, escondidos no coração?
Na verdade, o que é o amor? Há definição para o amor? Difícil definir! É quase um estado de espírito, uma coisa que transforma. Você pode amar hoje, e não amar amanhã. Isto seria apenas paixão? Acredito que o amor seja importante demais para defini-lo. Cada um ama do seu jeito.
Como Leonard Zelig, vivi o tempo de não pensar, mas transformar e só executar. Mas os tempos mudaram. Tudo ficou em seu tempo. Eu mesmo nunca fui a um lugar chamado Notting Hill, nem passei por Strawberry Fields, mas conheci André Quicé e Manuelzão num sábado ensolarado, cheio de amigos. Alguns sinceros, outros não.
Hoje vejo que não tenho mais um amigo para me emprestar a namorada no domingo a tarde, como fazia Ricardo Xarope. Nem quem me acompanha ao violão quando quero cantar “Quando Eu Me Chamar Saudade”, de Nelson Cavaquinho, como Fausto, em Janaúba, acompanhava em solos e Júlio Lacerda fazia ritmo, fora do tom, com uma caixinha de fósforos.
Fui um homem de muitas paixões. Paixão é assim mesmo. Guardei-as todas lá em cima, na salle des pas perdus, a sala dos passos perdidos. Para não encontrá-las mais. Por isso acredito que minha biografia deve ser meio que esquizofrênica, com pontos que não chegam perto, como carrinhos de bate-bate. Dizem que sou enfuziante e saltitante... Quiçá?
Judy Cum, por exemplo, era poderosa e se julgava a deusa do amor, do sexo e da beleza corporal. Afrodite. Ela saia do banheiro com aquela maravilhosa displicência das mulheres acostumadas à nudez em face de estranhos. Era fã de tudo que fosse surpreendente, principalmente na linha sexual. Experimentava. Tinha o escracho meticulosamente estudado de fazer amor, a energia eletrizante de uma puta, a antena globalizada no brincar com o sexo, a habilidade vocal de ais e uis e a cafonice das meninas de Tiana. Era uma onça no cio. Seus olhos enormes transmitiam tranquilidade e serenidade, e sempre prometiam um delicioso pecado. Com ela, o momento do prazer transcendia qualquer experimento que você tenha, já teve ou venha a ter. Deixava a gente viciado. Cocaína perto dela era brincadeira, pois chegava a brincar de esconde-esconde nas estrelas. Parecia uma escrava: fiel, sempre à disposição. Com ela descobri os caminhos da liberdade melhor que no livro do Jean Paul Sartre. Mas quando me assustei, onde fora parar minha independência, minha privacidade, minha vida própria?
Annie Hall tinha a cabeça complicada. Coisa de noiva nervosa que canta em casas noturnas. Coisas de noivo neurótico, que se apaixona por uma degradada cantora de bordel. Era sujeita a chuvas, trovoadas e enchentes. Ela queria ter um Thunderbird conversível, então comprou uma lambreta LD150cc 1958 e, assim, passeava pelos caminhos tortos da vila da Serra do Mutum-Mutum. Na verdade, era maluca, mas de boa alma. Tinha madeixas vivas e hipnóticas, vivia me ninando, me mimando e me amando. Quando tocava, quando cantava, parecia uma fada dos contos dos irmãos Grimm. Um dia, sumiu. Como sumiram as coisas da casa do meu amigo Tavinho. Abriu a porta e não tinha nada. Deixou um engradado de cerveja Antarctica, com as garrafas vazias, um uísque pela metade, alguns discos e fitas. Nem bilhete deixou! Achei até bom. Dizia que queria ser meu bem, meu zen, meu mal... Ou nenhuma das anteriores. Hoje ela vive de pensão e despeja sobre a filha sua ira contra o mundo.
Alice Tate era cheia de dilemas pessoais, de ciúme, ambição e competitividade. Fria como gelo, não se comovia com reações. Gostava de tomar ervas misturadas num chá de camomila ou capim santo. Dizia que tomava estes chás para perder suas inibições na vida. E na cama. Um dia se sentia invisível, mas estava ali, ao meu lado. Outro, voava, mas estava no telhado da casa. Achei que se comunicava com os espíritos, e daí surgiu a nossa interligação. Eu gostava dela e nossa relação durou um tempo, até que... Isto me traz a memória “Cenas de Um Casamento”, de Ingmar Bergman, onde ele disseca o fim da relação entre Mariane e Johan. Vai do idílio ao inferno conjugal depois que o marido revela que tem uma amante. Nada a ver com Woody Allen. Eu nem tinha amante, nem olhava para as meninas que passavam ao lado, mas passei por todo o filme. Foi melhor deixar aquela personagem antipática e cínica para ver se os anos a consertavam. Não a vi mais.
Cecília parecia ter saído do de uma tela de cinema. Provocava a gente com uma ingenuidade extremamente sexy. Não era só uma mulher. Era uma performance – e das boas! Me queria, me cheirava, me usava com definição. Penso até hoje ouvir a sua pulsação atravessada no meu peito. Ela ia a praias de nudismo e me levava junto. Tinha o peito inteiraço, durinho. Duros, lindos, a coisa mais encantadora daquele corpo. A não ser... É! Na verdade nem tudo era um mar de rosas. Um dia, ela voltou para o filme do qual tinha escapado e deu continuidade a comédia. Foram bons tempos aqueles em que o nó ainda carregava mistérios. Somos amigos, mais que os amantes que fomos um dia... Ainda hoje a assisto em DVD. Ela olha com aquela carinha, e não mais sai da tela. Continua no filme, onde faz até um strip-tease olhando pra mim, com aquela doce áurea...
Dolores Paley queria alguém para chamar de seu e me achou um dia a noite, desiludido, sentado numa mesa do Seis a Seis, de Afonso Ramos. Era cheia de dilemas pessoais, tinha a necessidade de não se prender a nada. Faltava um mantra que se adaptasse a ela, e esse mantra parecia, naquele momento, ser eu. Passamos um tempo juntos, fizemos até uma lua de mel na vila da Serra do Mutum-Mutum, e assim tentamos formar uma linda e modesta vida de casados. Como nos contos de fadas. Era para ter filhos e sermos felizes para sempre, embora a incompatibilidade de gênios e gêneros fosse imensa. Foram tantos os crimes e pecados que cometemos juntos, que achamos melhor nos separarmos. Ela deve estar hoje em Mutum-Mutum, numa daquelas salas de algum ministério. Mistério que nem quero resolver.
Vicky Cristina não morava em Barcelona, adorava de seu nome duplo e queria visitar a Catalunha. Estava de casamento marcado quando nos conhecemos. Sua graça era inimitável, seu deboche mais contagiante ainda. Tinha uma boca pidona, destas difíceis de se ver. Foi amor a primeira vista. Ela era do tipo destas meninas desencarnadas que não estão a fim de corre-corre. Vicky vinha do nada, aquela bela sem talento, que tinha uma imaturidade prolongada e que adiava a hora de tomar um rumo na vida. E na carreira. Por isso, demos certo. Éramos tão apaixonados que tivemos apenas uma noite. Ela voltou para o namorado, casou e tem filhos. Sou padrinho de dois...
Conheci Sally White quando trabalhava numa rádio. Era modestamente imodesta, apesar de limpinha e cheirosa, com aquele cheio de jasmim que se traz do mato. Que nos lembra a calma de uma fazenda qualquer, com casinha amarela, janelas e portas azuis, passarinhos, fogão de lenha e o bafo de guaco quando se gripa no cerrado. Com ela foram programas decentes, honestos, gostosos, de se revirar os olhos. Aproveitei aqueles dias brancos e solitários naquela casinha de fazenda, amei muito e bastante. Era como o poema de Manuel Bandeira: estava amando profundamente. Mas é preciso ter maturidade para casar, ter filhos e principalmente, se separar. Não deu certo. Fomos cada um para o seu lado...
As lembranças de amores passados costumam ficar abandonados pela casa, aqui e ali, lá e acolá. Até que um dia, ou são reciclados ou jogados no lixo. São cacarecos amorosos. Porque quem ama nunca sabe o que ama, nem sabe por que ama, nem sabe o que é amar... E ainda lembrando Pessoa, o poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente. Muito do que leram, pode ser verdade, pode ser mentira, pode ser experiências para o que virá em cada um de nós.
Embora acredite que já adolesci demais, ainda tenho carência de passear de mãos dadas com minha mulher. Acho que deveria ser obrigatório namorar, passar o dia inteiro rindo e brincando, namorando. Pensemos, crianças adultas, que a vida passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, vai para um mar muito longe, para o pé do Fado, mais longe que os deuses.
“Talvez o amor seja como uma janela, talvez uma porta aberta/ Ele te convida a chegar mais perto, ele quer te mostrar mais/ E mesmo que você se perca e não saiba o que fazer/ A lembrança de um amor fará você superar tudo!”.
Vem sentar-te comigo, Inês, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa...

Nenhum comentário:

Postar um comentário