sexta-feira, 22 de abril de 2011

Anarquista? Sim, graças a Deus!

Nossos escritores têm pudor do sucesso. Não topam seduzir um público grande escancarando o coração, sem culpa e vergonha, sem medo da catarse. Amelina Chaves não tem medo, nem qualquer problema para seduzir o leitor. Nem o de puxá-lo pela corda direta do coração. A doçura é uma constante em seu trabalho.
Dizem que ela é do tempo do cafona, do kitsch. Que nada! Mel, se assim posso chamá-la pela doçura de ser o que é, é de antes de existir qualquer definição. Ela já era lida desde quando as penteadeiras das putas e o jukebox existiam, embora não mostrasse tais escritos para qualquer um.
Conheci Mel quando estava no Diário de Montes Claros, no inicio da década de 1970. Um dos seus primeiros escritos saiu na Káthedra, revista de cultura daquela época. Junto com Felipe Gabrich, íamos comer peixe e beber uma cerveja em sua casa (ainda a mesma de hoje), nas tardes noites de sexta-feira, quando uma bruxa boa atormentava uma de suas filhas. De lá pra cá, cresceu ainda mais, escreveu, lançou livros e livros, e posso dizer ser a maior romancista da atualidade neste Montes Claros da vida.
Quando escreve, ora afoga as mágoas de amores nos braços de outros, sem pudor de se assumir traída - por quem? pelo personagem? -, ora é a gostosona de plantão. Escreve sobre a linguagem viciada dos centros, a saudade mal cozida dos bairros e a carência aguçada da periferia.
Pela definição de Elza Pound, Amelina, antes de ser a escritora consagrada que é para nós, seria uma espécie de inventora. Captura vertente da infância, mistura o figurino com o despudor da auto-ironia e da chacota. Escreve lindamente, amelinamente, amelindamente, sobre tudo. Lembro-me da gestação de “Diário de um Marginal”, que saiu em 1979 e do “Andarilho do São Francisco”, de 1981, dedicado à Mestra Antoninha, ao velho Antônio, a Adão, Josecé, Felipe Gabrich, João Balaio, ao poeta do céu, ao menino que escrevia na areia e aos hippies. Vez em quando os leio novamente. Como leio “Priapo de Ébano”, “O Eclético Darcy Ribeiro”, “Eterna Lembrança”, “O Rancho da Lua”, e “O Livro Proibido”, onde “libera geral”. São fases importantes, que nos mostram a realidade e a ficção. Pois ela inventa, mas não aumenta.
Mel é inventora porque também não se envergonha do que encarna, do que escreve. Assume-se. É de carne, tem seus desejos e suas tesões, e está sujeita a falhas e acertos. Teve uma escola que não foi uma escola, foi uma experiência de vida. Por isso, cria uma constelação interna e depois passa para outra coisa. Sua vida foi (e é) um paraíso, porque tudo de criativo captou, mas era (e é) um inferno também. Criou seu ambiente, com certa obsessividade até chegar às portas da dominação. Vive no limiar entre a vida cotidiana e a arte. Transmite, por trás de uma certa aparência de frieza, uma noção de ameaça sexual iminente. Como um vulcão prestes a entrar em erupção.
Mel não foi feita para parar. Mel não foi feita para manter ligações essenciais com coisas essenciais, pessoas essenciais e lugares essenciais. Foi feita para avançar sempre. E é o que faz de melhor.
Em cada escrita aparecem seus mundos, que não são os mesmos, mas se encontram muito mais do que imaginam. Em outros carnavais, já foi bem mais que a mulher fatal. Hoje é a femme fatale. Afinal, sexo nos tempos da ditadura era visto como coisa dos comuns, comunistas, subversivos. Mas era praticado por subservivos. Hoje, o que é? Uma propaganda no jornal?
Por dentro de Mel bate um generoso coração. Continua uma anarquista, graças a Deus! E deliciosamente verdadeira, fala o que tem que falar, escreve o que a vida ensinou/a e lhe deu/a. É sincera, direta. Não esconde o que pensa.
Encontro pouco atualmente com Amelina, mas quando encontramos caímos na gandaia de boca, caímos de cabeça na dança. Ela é toda poderosa e cheia de luz, e é tão bom ver como nos ilumina e faz nossa vida valer... São todos os tons colorindo a nossa escuridão, clareando o som dos corações nos quatro cantos da vida, sustentando-nos na alegria e na dor.
Conversamos sobre as namoradas de antigamente, sobre as peladas de futebol e as histórias que a vida nos leva e nos traz, sobre a perda dos amigos e o sempre encontrar de amigos novos. A gente expulsa do coração emoções para se concentrar no futuro e vai deixando a vida antiga para trás. Quando você acredita em coisas que não entende, então você sofre: a superstição não é o caminho, lembra-nos, como ensinou Stevie Wonder.
Não tem hora para receber amigos. Em sua casa tem biscoito farinha, biscoito fofão, biscoito nata, que derrete na boca com aquele café de rapadura. Não é a toa que lançou o livro “Folclore, Quitute e Amor”.
Anelina prega em nosso corpo, é um caso de amor com a literatura, vento que embala o cheiro da flor sem querer parar.
Amelinda nos traz juventude, é trecho de uma vida de um sonhador plantando esperança no coração pra depois aflorar.
Amelina Chaves é canto de roda e rua, contradança e congado, coisa de encabular.
A doçura de Mel é sabiá a cantar, fogueira a lumiar, liberdade a brilhar
Anelina, Amelinda, Amelina Chaves, a doçura de Mel é, pra nós, lembranças do que virá.

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