sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sou louco, o que posso fazer? Escutar Billie Holyday?

Assisti “As Aventuras de Antonie Doinel”, do François Trauffaut, emprestado pelo amigo Rafael Gontijo. São filmes que me trazem boas lembranças - ou são lembranças que me vem à tona? Não sei ao certo. Nem ao errado...
O episódio “Antoine e Colette”, por exemplo, nos leva ao amor adolescente. Até a cor da vitrolinha dada de coração para a menina que morava no final da Rua João Pinheiro é igual à utilizada no quartinho de hotel em que ele fica. Só as músicas são outras. Ela gostava de Roberto, Caetano, Carpenters, Carole King. Ele, das francesas.
Alguns amores duram um tempo maior que outros. Isto acontece porque a gente vai crescendo e vendo o que é bom e o que vem do (a)mar... Nesta época, por exemplo, estava todo um amor adolescente, oculto, que cresceu e hoje se tornou vulto. Mas que bate no peito e, vez por outra, nos leva ao passado. Como outras coisas. Aquele era tempo de sorriso nos lábios, sanduíche de mortadela e guaraná. Eta, saudade! Mas saudade é para isso mesmo, sentir.
É preciso olhar essa vida antes e depois de assistir Butch Cassid e Sundance Kid no Cine Fátima. Época quando o amor salvava o tédio do dia a dia. Quem sabe um dia a gente se encontra no velho lugar!? Quem sabe um dia a gente ande de trem de ferro, coma salsichão num bar do bairro Barro Preto em Beagá, ou até torça para o mesmo time, assista novamente filmes que nos marcaram e ouça canções que nos perseguem.
Eu cresci assistindo filmes nos cinemas Fátima, São Luiz, Coronel Ribeiro, Ypiranga, Lafetá e Montes Claros. Velhas e boas tardes de domingo. Hoje, o DVD e a pirataria nos levam tudo em casa. Cresci lendo quadrinhos, que agora viraram graphic novels. Cresci brincando de finca na esplanada do Bom Jesus, na Malhada das Almas, e jogando bolinha de gude com João Véio, correndo as ruas no carrinho de rolimã com Márcio Hiram, subindo a serra do Mel com Agnaldo, João Ripão, Tino e Bodão. Hoje, não se vê mais estas brincadeiras, não existe serra, embora ela esteja lá e tentem colocar outros nomes nela.
No lugar em que a gente se acampava, bem na beirada do barranco, embaixo do pé de Jenipapo em que Charles, um dia, escreveu o nome de sua amada, não existe mais cachoeira. A serra virou ‘da Sapucaia’, ou ‘do Ibituruna’ engolindo o Mel e deixando a história em um canto qualquer. Acho que nem o pé de Jenipapo sobreviveu. Talvez o pé de goiaba branca da canção de Bodão ainda exista...
A Lapa Grande, a Pintada, a da Nascente e a Lapa D’Água, onde meu pai e Zé Manaíba me levavam aos domingos, virou parque que engoliu a fazenda de “Sêo” Pedro Veloso e dona Arinha. Ali os finais de semana eram de uma delícia só. Nunca mais andei a cavalo, nunca mais comi beiju com requeijão quente, nunca mais vi Arinha... Toda mata era boa, pois não tinha nem alçapão. Hoje, o perigo anda ao lado.
Aqui existia Montes Claros e a Montes Claros de baixo. Que não ficava na parte baixa da cidade, não era a divisão política. Era a zona do ‘meretríssimo’, como ensinou um irmão marista. Atualmente, as meninas estão em todo lugar. Fazem até anúncio em jornal. Daqui a pouco, chegam à televisão, já que na internet se espalharam. Acabou-se aquela fantasia de tomar uma cerveja na zona, de acompanhar Carlão, Curiango e Rays no domingo à tarde para “ver” as mulheres de Leobina ou Edna. Quiçá, uma rapidinha, a bacia no pé da cama para deixar tudo novo de novo, o rolo de papel higiênico pendurado no gradil da cama.
Não sobrou nem o ‘Café Columbia’ de “Seu Ciço”, onde estava a gemada mais gostosa de antes de dormir. Ou o ‘Rei do Sandwiche’, pregado em Cícero, como chamávamos Ciço. O ‘Bar Sibéria’, na esquina, com seu espetinho que Tião guardou a fórmula, a ‘Leiteria Celeste’ do Zé Priquitim. O tempo passou, a cidade se modernizou, montesclareou, montesqueceu. Não sobrou nem o café do ‘Zim Bolão’ nem a ‘Loteria Mineira’ de seu Donato, na esquina da Rua 15 com Simeão Ribeiro, e onde experimentei meus primeiros sorvetes da Kibon.
Os dias, as tardes, as noites montes-clarinas eram mais gostosas, diferentes, simples e tinha um quê de sensual. Tinham um quê dos quadros de Van Gogh. A gente podia ver até o café à noite, a enorme lanterna amarela que ilumina a esplanada e lança luz até as pedras da rua. As fachadas das casas que se prolonga sob um céu estrelado, de azul-escuro ou violeta.
Nos poços do rio Vieira até a Iara aparecia em noites de lua. Hoje os tempos são outros. O perigo ronda ao lado, o choro é mudo. Já nem faço mais a indagação em torno dessas diferenças. Muitos dos meus amigos se perderam na noite. Alguns, se mudaram de cidade, bairro, rua, quarteirão. Uns surgem de repente, na virada da esquina. Outros, vem em ondas telefônicas. Alguns mais, interneteiam-se e aparecem na tela, num baita susto.
Tem nada não, já ensinou Charles. Caminho é por onde se passa...
A saudade que sinto não é de tristeza, nem queima o peito. É apenas saudade que neste futuro a gente sente do passado, sem mudanças ou concessões, pois a gente é tão diferente da gente.
Os dias passam e não passam, enquanto aquelas velhas senhoras observam borboletas e pererecas, sentadas em tocos de pau no parque. Um pouco distante deitados na relva, um casal de namorados toma consciência de certas coisas, naquele vira e mexe. É o amor, diria o poeta - quiçá ele ainda nos salve. Pode-se observar que o verde do lugar é mais verde, embora a grama tenha verdes diferentes, desbotados aqui e ali. Psicologicamente, curto o encantamento simbiótico. Assim são estas coisas
Tenho muito ainda que andar, viver, aprender e aprontar por aí. Enquanto isso, assisto com meu filho, na televisão, o Pica-Pau, na Rede Record.
Everybody thinks I’m crazy/
Yeah! That’s me that’s me that’s me/
A couple of holes in everything/
“na-fa-got!” “I way ah-na-ha-ha”/
Crazy is me, and waht more can I do?
De fato, “todo mundo pensa que sou louco/ (...) sou louco, o que posso fazer”? Talvez escutar Billie Holliday...

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