sexta-feira, 22 de abril de 2011

I will be there

O pulso ainda pulsa
E o corpo ainda é pouco
Ainda pulsa
Ainda é pouco

Dava a impressão de um barco com todas as velas enfunadas. Estava frio, ele usava seu chapéu de duende e dava ordens. As coisas tinham um jeito de funcionar sempre para melhor. Sei que a manhã estava em andamento. Fiquei entretido no buscar da minha veia, e perdi qualquer noção do tempo, a mente ocupada apenas com o sono repentino. Não sei se foi sonho. Acordei às voltas em endireitar o corpo para amenizar as costas doloridas. Foi só isso aquelas oito horas. Nada para lembrar. Isto aconteceu em 2009.
Nesta semana li no obituário da Folha a morte do humorista e radialista Sergio de Souza Leite, o Serginho Leite. Conheci sua obra ainda nos tempos da 98,9 FM, nos anos 1980. Ele lançou Criser, uma versão genial de Thriller, do Michael Jackson. Mas a música foi proibida pelo Departamento de Diversões Públicas da Polícia Federal. Nesta semana, teve um infarto do miocárdio.
É a vida.
Mas ela é bonita, é bonita e é bonita, como ensinou Gonzaguinha.
E a vida vem no pensamento. Podemos ter nossa casa atual, do jeito que queremos. Mas a futura, queira ou não, será junto a terra. Não tem escolha. Que seja no cemitérios dos Paus Pretos, da Malhada, Bom Fim... Ou num cantinho gostoso, debaixo de árvores, numa fazenda qualquer. Talvez a São João, de Zé Grande. Pois tinha tanta luz naquele céu da fazenda São João, que fica lá pelas beiradas da Lagoinha, que às vezes até passava um avião enquanto a gente cantava pra lua. Da fazenda São João a gente via um por do sol deslumbrante, naquele céu bonito de lá. Aquela terra, aquele rio que, de tão pequeno era profundo em nós, fica grudado na memória. Lá seria um bom lugar para se viver a eternidade.
Afinal a morte é a única experiência comum, não importa a raça, o país em que vivemos ou nossas crenças religiosas. É a única coisa que compartilhamos.
E não manda aviso. Ou, às vezes, até manda. Mas nem todos percebem.
E quando vai se ficando mais velho, com o passar de anos e anos, as lembranças ficam maiores e as perspectivas, menores. Mas as agonias de quem está perto dos 60 anos são maiores daquelas dos jovens de vinte e poucos anos? Sei não...!
Quando você atinge certa altura, tem aquele começar de novo, e tem o continuar.
Não existe volta, existe a continuidade das coisas.
Quando se faz 20 anos, o mundo é ali na esquina. Vive-se tudo, convivendo com a morte ao lado.
Quando se faz 40, deslumbra-se com um recomeço. A gente dá uma zerada, quer fazer isto e aquilo. Começa a se sentir maios poderoso para fazer as coisas, mais forte para se aventurar. Deixa pra trás aquilo que enche o saco, guarda no porão coisas e cousas. Aquilo que já cansou. Aos 40, quer alçar novos vôos, escrever, viver.
Aos 50, cinquenta e poucos, já é diferente. Mesmo querendo zerar tudo, já não tem muito tempo para fazer as aventuras desejadas. Quer apenas ficar perto da família, curti-la o melhor possível.
É o clichê da vida: quando se envelhece, a gente perde o garbo, pega mania boba, como de não fazer planos para o futuro, a longo prazo. Fica triste de repente, sem ter o que nem o por quê. Adota um ritmo mais lento com o passar dos anos.
E a morte é que é por conseguinte. A gente morre para provar que não teve razão, ensina João Rosa em “Os chapéus transeuntes”, de Estas Estórias. Pois!
Na época dos santos, eles morriam com antevisões do Paraíso. São João da Cruz, na noite da sua morte disse: eu cantarei as matinas no céu. Santa Tereza de Ávilla morreu sussurando: chegou, enfim, a hora, Senhor, de nos vermos face a face. São Francisco a recebeu com os braços abertos: seja bem vinda, irmã morte. A morte ideal na época dos santos era acompanhada do transe místico.
Morte ideal no século XXI é a repentina, sem dor, sem remédios, sem UTI. Tão repentina que poupe até a consciência de quem está morrendo.
Mas as pessoas não morrem, ensinou Rosa: tornam a ficar encantadas.
Mas onde está encantados o Escolástico? E o Celso? Ruy?
Será que estão segurando a mão de Deus?
Eles subiram cedo? Tarde? Tem hora?
Afinal, curtir a vida é quase que uma obrigação de quem respira.
Onde está hoje Mércio, Catulo, Zé Grande, Fidelcino, Waltinho, Acácia, Rays, Maria e Eugerson?
Foram magicamente transportados para um outro mundo maravilhoso, cheio de entidades encantadas.
Vão voltar, como prega o espiritismo? Pois!
Deus nos deu a graça de só morrer uma vez, disse Padre Vieira. A ressurreição, para São Paulo, seria a eternidade, ir para um mundo sem atribulações. Afinal, não somos super heróis, apenas passamos no tempo. E um dia, vamos partir para este além.
O além?
Existe um mistério indevassável sobre nosso destino após a morte. É nosso limite.
Mas pode deixar, i will be there.
Eu estarei lá!
...
Benjamin, Márcia, Nilde e João estavam no cemitério do Bom Fim dia destes. Maria, que não estava junto, ficava a imaginar.
Afinal, cemitério é um lugar tranquilo, ótimo para formular histórias, como as contadas certa vez pelo filho do Seu Ducho. E melhor ainda para imaginar a vida das pessoas que estão ali, ao seu lado.
Pena que em Montes Claros, vândalos roubem tanto as placas, cruzes e até fotos ali colocadas. Não há guarda? Acredito que só as guarda os do outro lado, mas que nem assustar sabem.
Benjamin, Márcia , Nilde e João vão andando pelas ruelas do campo santo. Deixam ali Eduardo Nery, que tem uma profunda desconfiança de si mesmo. Não sabe se está desencarnado e caminha entre os vivos, ou se está ali, vivo, conversando com os mortos.
Razão e sensibilidade.
A carne e o espírito...
Pois!

Um comentário:

  1. Olá!
    Estou procurando por um Luis Carlos Novaes e acho que pode ser você. Procuro por um amigo de meu pai, Luciano Tadeu de Abreu Lima e Loureiro. Você o conhece? Por favor, se for você, entre em contato comigo: annaritabittencourt@gmail.com.
    Obrigada.

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