sexta-feira, 22 de abril de 2011

Desatanto queixumes e idéias

No bar do Zim (ou Zinho, como o chama Haroldo Lívio) Bolão tinha uma boa Viriatinha, que a gente tomava e tirava o gosto com um pá de farofa, que o Ernesto nos servia numa colher. Era sempre pela manhã, nada pra fazer além de andar por aquele centro.
E no centro, o espaço mítico-sagrado com maior poder de sedução e encanto era, justamente, naquela época, as proximidades de Zim Bolão, ao lado do Cine São Luiz e em frente a Discobrasa do Severino, Dequinha e Toninho.
Dequinha aparecia, vez por outra, montado num tamanco de madeira, bem alto, que lhe aumentava o tamanho pequenininho. Vinha com aquele jeitão todo seu de ser, que traz até hoje.
Sempre que chegava um disco diferente, novo, me dava o toque. Uma vez passei por lá com a Marta e ele veio cheio de dedos, cheio de nãometoques, com o LP do John Lennon, Some Time in New York City. Tinha pedido um só. Pra mim! O mesmo ela havia feito com o álbum Tommy, do The Who, o Exile On Main Street, dos Stones. Dequinha gostava tanto de me vender que chegava a brigar com Toninho, indiscutivelmente o homem que dizia conhecer a musica que fazia a cabeça. Mas era com Dequinha que eu tinha maior carinho. Quando pequenos, defendíamos o mesmo time no campinho Beira Rio, na baixada, ou na Praça de Esportes. Quando mais velhos, depois desta fase, fomos compadres, com ele batizando minha filha Bianca. E eu gostava pois sempre fazia Zeferino pedir os meus gostos. Pelo menos um só. Pra mim!
Na área dos brasileiros era Caetano, Jard’s Macalé, Luiz Melodia. Sempre pedia um só. Para atender meu gosto. Um companheirão o Geraldo Dequinha, tão companheiro que mesmo longe, mesmo sem a gente se encontrar como deveria, estamos perto. Hoje, mora em Lagoa dos Patos, onde descansa dos perigos desta vida, pesca e anda por aqueles matos recheados de codorna, o que sabe preparar muito bem.
Toninho da Discobrasa era diferente. Não atendia a ninguém que vinha lhe pedir um disco mais brega. Tinha seu jeito peculiar de conversar, passando a mão na frente da boca, imitado pelo Jorginho Santos ou Tico Lopes, de quem ficou inimigo durante vários anos por causa disso.
Se alguém entrasse pedindo um disco do Odair José, ele não vendia. E ainda tentava convencer o comprador de que o cantor não prestava. Logo Odair que se transformou no maior ídolo da música brega, vendeu milhões de discos e emplacou hits como “Pare de Tomar a Pílula”, “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”. Nem quando aconteceu o Phono 73, quando Caetano cantou esta segunda música com o Odair, nada disto servia para mexer com os brios de Toninho. “Caetano está virando brega”, dizia a época. Toninho hoje trabalha como frentista, em um posto de gasolina. A vida para ele foi mais dura do que para Dequinha.
Some Time in New York City ficou na casa de alguém, nessa minha vida andante. Como Exile On Main Street e Tommy. Some Time era um dos meus álbuns prediletos.
Lembro de ouvir e curtir muito “Cold Turkey”, “New York City”, “Woman Is the Nigger of the World” e, principalmente, “Sunday Bloody Sunday”. Quem me chamou a atenção para essa canção foi o Geraldão Ferreira, da Rádio Cultura de Beagá. Ela fazia referência a Irlanda do Norte. No dia 30 de janeiro de 1972, a polícia matou treze pessoas que participavam de uma passeata católica contra o governo do país, e o fato ficou conhecido como Domingo Sangrento (Bloody Sunday). Anos mais tarde o grupo U2 faria também uma música com mesmo nome em referência ao fato.
Geraldão me conduzia pelo fio musical desde que estava em Montes Claros, na ZYD7 do Elias Siufi, nos anos sessenta do século XX. Ele namorava minha irmã, Zelita, o que era um escândalo naquela época. Ele negro, morador do Morrinho, na década de 1960. Ela, uma branca da Dr. Veloso. Imagina!
Pois eu não estava nem aí. Fiquei amigo do Geraldão, que tanto aprontou com o José Maria Peito de Aço na escola. Devo a Geraldão muitos dos meus passos na área musical. Depois ele foi pra capital, trabalhou na Itatiaia, mexeu na TV Vila Rica, colocou a Cultura e a Extra FM no ar, deu uma chegada a Porto Seguro passou pela TV Minas, pela Rádio Inconfidência e hoje está estacionado ao lado da Zelita, numa casinha gostosa na rua Major Barbosa, lá na Santa Efigênia. Na verdade, moderadamente estacionado. Foi responsável pela ida de diversos locutores montes-clarenses para Beagá. Padrinho da 98,9 FM, lembro dele dando dicas no seu programa “Ritmos da Noite” da Cultura, batendo papo ao vivo com Bob Marley ou Elthon John. É formado em Engenharia, quem diria. E fez a vida na rádio...
O Quarteirão do Povo, naquela época, ainda tinha calçamento de paralelepípedo, nem se sonhava com aqueles jardins da Babilônia. Cobertura (que ainda não veio), então, nem se falava... Mas o bar do Zim Bolão estava lá, para o cafezinho, o bate-papo, uma cerveja gelada no fim de tarde, no inicio da manhã, na hora do almoço. Parecia uma daquelas grutas da capital, comprida igual a elas, mas mais fina, não acompanhando o dono. E cada gole da pura e santa Viriatinha no ritualístico estalado da língua ia, aos poucos, desatando queixumes e idéias.
Em frente a Discobrasa, do lado do São Luiz, fica o Tone Nascimento, com um cubiculozinho deste tamainho (continua lá ainda hoje o espaço, transformado numa relojoaria). Era a loja do Tone K7, onde eu curtia boas músicas quando Severino não deixava a gente ficar na Discobrasa. Alik Poppof, Washington, Wellington Vieira, Eduardo Brasil, Ernani Camisasca, todos passavam por ali, queria Severino ou não queria.
Às vezes, de sacanagem, eu colocava um Beatles para tocar no Tone, bem mais alto que o normal, só para atentar Severino, a quem cheguei a emprestar meus gravadores - vez por outra -, quando a atividade pirata dele, de gravar fitas K7 - como em Tone -, falhava. Quem acordava feliz era o Farley Alcântara, que morava ao lado e em cima. Ele e Marcelo desciam, aí o papo rolava, a música não trocava e a venda não saia.
Quando o Tone pedia, gentilmente, para darmos um tempo, voltávamos pro Zim pra mais uma rodada de Viriatinha. E a alma, livre e leva no azalão dos sonhos, cavalgava por montes nunca dantes ultrapassados, no aboio e na lembrança de amores que se foram.
Deus seja louvado!

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