terça-feira, 6 de setembro de 2011

Hoje (ainda) é dia de rock

Era uma vez um maestro de banda, Pedro, que morava com sua mulher, Adélia, e os cinco filhos, num lugar chamado Minas. Ele aprendeu teoria musical por conta própria, através do método ‘gianini’, até então conhecido. Tudo isso já faz muito tempo e nem se sabe se Minas ainda existe.
Um dia Pedro ouviu uma música tão extraordinária que para escrevê-la seria necessário inventar uma clave diferente daquelas do ‘método gianini’, tarefa que se dedicou à vida.
Era assim que, em 1973, estréia a peça “Hoje é Dia de Rock”, na então arena do Rosário, a Praça Portugal. A frente do Grupo de Teatro Rock, o diretor João Batista Costa, nosso professor Joba Costa, que comandava aquelas pessoas que saiam de um conto de fadas.
Um sufoco os primeiros dias daquele novo tempo que começaria ali. Após ensaios e mais ensaios, reuniões e reuniões, trabalho e trabalho, a transformação da igrejinha do Rosário num palco - inclusive com a confecção de arquibancadas para o público. A estréia, no dia 28 de maio de 1973, e um bom público de cem pessoas, capacidade máxima permitida, todas as noites, o que dava um sabor diferente na vida dessa gente. Com o buxixo, outras e outras e outras e outras pessoas iam conhecer aquela turma de hippies, que – sacrilégio – transformaram a igreja num teatro. Com autorização do Padre Dudu, é bom deixar claro.
Na terceira apresentação, um estranho despacho foi colocado na porta da igreja. Coisa mais esdrúxula: despacho com pinga, farofa, galinha, completo, como se requer um bom despacho. O que não impediu o público nem a peça de seguir em frente. No outro dia, mais um despacho, agora com peixe. Tinha gente procurando o sobrenatural como solução. E conseguiram.
“Hoje é Dia de Rock” é um texto de José Vicente, mesmo autor de ‘O Assalto’ e ‘A Casa das Meninas’, entre outros. O grupo Tapuia apresentou, anos depois, ‘O Assalto’.
‘Hoje é Dia de Rock’ foi encenada por duas gerações da cidade, a segunda com o grupo ‘Diga que não me Conhece’, também dirigida pelo Joba. Nesta, nomes como Igor Xavier, Marluce Cardoso, Sued Parrela, Takão, Lena Zuba.
A peça, antes de ser um bom trabalho, era uma curtição. E que curtição. Destas que a gente imagina, mas não sabe que existe. Nela, as pessoas saiam de um conto de fadas, do era uma vez... E mostrava o processo de massificação do homem, até ter a liberdade de volta, a curtição restituída. Daí pinta um ET e começam os milagres, com todos passando a acreditar nas coisas. Até Elvis Presley sai de um rádio. A história se completava com uma viagem musical, sugerindo um deslocamento contínuo.
Ernane Camisasca era o responsável pela expressão corporal dos atores. Além de fazer às vezes do próprio Pedro, na versão de 1973. Sylvie Oliffsom tomou conta dos cenários e figurinos, com Aquiles Fonseca na iluminação e Alberto Magno fazendo às vezes de relações públicas. O narrador, Itamaury Telles, antes de se aventurar pelo mundo dos números que quase o enlouqueceu no Banco do Brasil, e retornar como escritor consagrado com ‘Urubu de Gravata’ e ‘Noturno para o Sertão’. No som, lá estava eu, entre discos de Elvis Presley, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry, Stevie Wonder, King Crimson, Jethro Tull, Pink Floid e Sá, Rodrix e Guarabira. O que gostava de ouvir, o que dava prazer. Rubinho emprestou sua coleção de rock dos anos 50/60, uma raridade que deve ter até hoje.
Viajante, viajante,
De onde é que você vem?
Viajante, viajante,
Aonde é que você vai?
Viajante leva eu
Leva eu pra viajar.
Na peça, Ernane Camisasca era Pedro, Eliane Jansen, Adélia, Vânia Versiani Rosário, Argentino Athayde Quincas, Wallen Medrado David, Sylvie Oliffson Isabel, Joba Valente, Elizabeth Pimenta Neuzinha, Adriano Lafetá Elvis Presley, Eliane Castro Índia, Alberto Magno Guilherme e Norma Campos Efigênia. Ainda havia os passantes, Waldemiro Leão e Carlos Teófilo. Além daquela ‘assistência’ de Fidel e Ricardo Xarope. Um novo tempo começava ali.
Quem pensava que teatro já era, principalmente em Montes Claros, que vinha dos carrancudos anos sessenta, de militares e militâncias, é porque nunca teve a oportunidade de assistir à “Hoje é Dia de Rock”, em qualquer lugar que ela foi levada. Aqui, o teatro, pequeno, deixava a platéia fazer parte da história. Ela saia contente de ter assistido um bom espetáculo, saia sorridente e feliz.
O sonho do Grupo de Teatro Rock se desfez numa viagem a Brasília de Minas. Na volta, o fusca em que alguns componentes estavam bateu em um trator parado no meio da estrada. Foram dias de tensão, de reza, de pensamentos positivos. As seqüelas, porém, ficaram. O grupo acabou. Ficaram os filhos do silêncio.
Parece ficção, cena de cinema, mas aconteceu tudo assim mesmo.
Aquela peça, entretanto, mexeu com a cabeça das pessoas, embora o feitiço do tempo dissolva os contornos da memória. Porém, o estilo, a música, as informações e sensações que fizeram as delícias daquela época, nos parece eterna, imemorial. A tensão entre a perpétua sede da novidade e a placidez da norma social fica como um traço, como algo que sempre tivesse vivido ali, naqueles anos. Mas a verdade é que nem sempre foi assim.
Tentar imaginar hoje aquele grupo do início dos anos 60, em que ainda se encaixavam o Eduardo Brasil, Alik Poppof, Raymundo Mendes, Romildo Ernesto Mendes, é quase como imaginar vida em outro planeta. E somos nós mesmos que, no fundo, traçamos essa linha de estranheza.
Devemos à força desse pessoal o mérito por abrir um buraco no dique da mansidão, permitindo que a enxurrada dos novos tempos inundasse a ‘paradeza’ reinante. O tempo de transformação teve sua espoleta. A partir dali, nada de baladas gemebundas,
Sempre tem que haver primeiro uma estrada. Depois, é só colocar os pés dentro dela e partir. O que não pode é ficar, amiguinho. A espera, só traz - a morte.
Ficar é apodrecer.

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