terça-feira, 6 de setembro de 2011

Essa tigresa é só de brincadeira

Insaciável!
Uma máquina do sexo. Assim pode-se definir aquela gorutubana do Rio Novo. E como sabia fazer bem feito. Acredito que tenha seduzido metade da cidade só com o olhar e aquelas palavras doce que saiam de sua boca. A metade rica, é bom dizer. A outra, ficou só na vontade de conhecê-la. Mas todos os homens (e mulheres) de Janaúba a desejavam. Bruna Surfistinha ali era aprendiz.
Exagerada!
Nos beijos, no doar, no amar. Este, fazia com satisfação e nunca se satisfazia completamente na cama. Tinha que cair e rolar pelo chão, tinha que dar-se em pé, encostada à porta, a parede, ou sentada na mesa da cozinha, esfregando a pele do seu corpo contra o...
Quando fazia amor, era o chão, sem o chão. Era a leoa no cio, a tigresa na dança do amor. Uma deusa. Gostava de ficar no comando. Mas, conforme o jeito, queria ser comandada. Alta, de uma beleza mais interna que externa, cabelos cobrindo o olhar, o que a deixava com ar fatal de artista de cinema dos anos 50.
Queria falar de tudo, queria fazer de tudo, experimentava posições kamasutranianas. Tanto que encomendou ao Marcos Caíres, na Papelaria Guimarães, uma edição do Kama Sutra. Não sei se foi buscar...
Assim era aquela tigresa, uma beleza que aconteceu em Janaúba dos anos 70. E como num romance desmilinguido, ela me contou com certeza tudo o que viveu. De perto, ninguém é normal, às vezes, segue em linha reta a vida, que é "meu bem, meu mal". Era ela. No mais, as "ramblas" do planeta "orchta de chufa, si us plau".
A história de HP com ela foi engraçada. A estória de AP com ela foi romântica. A estória e as histórias de CN com ela, ele guarda no peito até os dias de hoje.
Estórias e histórias, pois Rosa já nos alertara que a estória não quer ser história. São coisas diferentes. História é o tempo onde as coisas acontecidas não acontecem mais. A estória é o tempo onde coisas não acontecidas acontecem sempre. Abacaxi e pitanga não é a mesma coisa. Mas um morango com champanhe, esta escorrendo pelo corpo, melhora tudo.
A Tigresa - vamos chamá-la assim - me falou que o mal é bom. Ela, que foi o arauto da geração sexual de Janaúba. Pois há o antes e o depois de sua passagem naquelas terras gorutubanas. Coisa que a envaidece até hoje, onde quer que esteja. Não queria ser mensageira de nada. “Apenas me ame como se não houvesse amanhã”, repetia sempre, num sussurro, no ouvido, na hora do bembom. Quando falava de amor e desejo, a boca se mostrava macia, vermelha. “É nela que está o meu pensamento”, comentou certa vez, sem que lhe perguntasse nada. Mas foi direto ao ponto, daquele coração atrapalhado.
Uma vez, vejam vocês, logo depois de fazer um amor suado, daqueles de ais e uis, em que as garras da felina marcam o coração. Daqueles que a garganta fica seca, o peito sufocado. Onde se rasga a vida, se move montanhas. Daquele amor que só ela sabia fazer, cheio de cheiros, maldades e felicidade no final, crazy he call’s me, louca me chamam. Pois, depois de tudo, começou a falar sobre as idiossincrasias de sua geração, enquanto bebia, gole a gole, água mineral gasosa. Pois ela, a Tigresa, não bebia nada alcoólico. Nem fumava cigarro, baseado em leitura que fez numa revista Grande Hotel, que ele provocava câncer.
Seu único vício, e sabia, admitia, era amar. Seja na cama, no banco do carro, nas areias do rio Gorutuba, ou mesmo um cantinho mais escuro da Avenida do Comércio ou da Francisco Sá. Movimentada, pois era melhor. Mas não com qualquer um. Tinha que ser com alguém que merecesse seu coração, sua confiança. E foram poucos, muito poucos, naquela Janaúba que todos (e todas) a desejavam.
Falou-me sobre as dificuldades e os prazeres que as pessoas de sua idade tinham, numa cidade do interior dos anos 70, ligada a tudo e a nada ao mesmo tempo, sem asfalto, sem futuro, com luz desligada às dez da noite.
Quando a conheci parecia tímida, cabelo sobre os olhos. Mas era espalhafatosa. Falou-me que seus amantes foram tantos e tão poucos, que se contava nos dedos de uma mão. Eles hoje estão esmaecidos, invisíveis. São personagens concretos que perderam a nitidez.
Ela, não!
Continua a mulher sagrada, vaca profana, derramando la leche buena toda en mi garganta, la mala leche para los "puretas”. A vida, às vezes, tem um lado. A vida, às vezes, tem dois lados. Quando ela é sol ela é eclipse, e quando ela morre é que ela vive. E para esta Tigresa, de divinas tetas, amar demandava coragem, mas era uma visibilidade apenas prática.
Teve uma única experiência digamos, psicodélica, quando caiu de amores por um radialista e ao mesmo tempo namorava um italiano. Era tomada de amores, chegou a me confessar, e não tinha ciúmes se eles também caíssem de amores por outras. Ia para Montes Claros hospedar-se no Hotel Nacional ou no Sandy’s com um, ou viajava para a América do Norte ou Europa com outro. Eles também não tinham ciúmes um do outro. Coisa estranha para aqueles anos 70. Ou não! Mas como ficar com ciúmes dela, que era de um e de todos, louca de amor, que tinha a mágica entre as pernas?
Confessou-me que ficou doidona uma única vez – não falou de outras experiências. Foi com o peiote, cacto sagrado usado por índios da América do Norte, numa viagem com o italiano. Disse que a experiência foi boa, viu-se até a cavalgar um gigantesco pássaro-fóssil, mas que amar sem nada na cabeça era bem melhor. “A gente sente mais o pulsar do amor”.
Ela era uma poeta do amor. Fazia não amor, mas poesia com seus ais e uis, seus pelos pelo corpo, seu suor. Tinha um sorriso alegre. Era um sorriso que as invejosas chamavam de maligno. Mas que os homens achavam cativante. Nunca me disse ter lido ou saber quem era Olavo Bilac, Baudelaire ou T.S. Elliot. Nem Jorge Amado ou Fernando Sabino. Gostava de Nelson Gonçalves, que ouvia seu pai cantar. Vivera em grupo, mas isoladamente.
Para ela, pornografia é gostoso e sexo é bom. É como suco de maracujá e sorvete, disse. O sexo move as pessoas de forma que nenhuma outra coisa conseguiria. Ela gostava de fazer amor ciscando, cultivava esta mania de bordejar o corpo, um passarinho. Com aquele lado provocador, de arriscar, de flertar, de assumir posições de vanguarda. Confessou-me que foi feliz com alguns homens. Com outros, foi mulher.
Em casa, gostava de usar saia curta e camiseta branca, sempre molhada. Principalmente se estivessem ela e ele, sozinhos.
Seu jeito de amar, acredito, subverteu tudo que era feito até então e influenciou outras mulheres da sua terra. E olha que ela não era puta. Era apenas mulher.
Apaixonada por fazer amor.
Não sexo.
Não história.
Estórias.
Mas as nuvens escuras sempre aparecem sobre o céu das cidades. E um dia apareceram para ela.
E até o tapete, sem ela, voou...
Lá longe, toca “Solitude”... E parece que a cidade canta: Nesta solidão/
Imploro/
Para ver você/
E viver em paz...

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