terça-feira, 6 de setembro de 2011

Lendas (lendas?) urbanas ou não

Meu filho Junior é que conta a história. Nos banheiros das escolas por onde passou – agora está na Escola Estadual Gonçalves Chaves -, mora uma fantasma. É conhecida pelos alunos de “loira do banheiro”.
Para chamá-la, existem várias maneiras. Uma delas é levar para o banheiro um fio de cabelo loiro, jogá-lo no vaso e dar três descargas.
Outra é dar três descargas, três chutes no vaso, e falar três palavrões. Mas tem que ser palavrão daqueles grandes. Ai ela aparece.
Às vezes mata as crianças. Às vezes não aparece. E outras vezes, ainda, os meninos mentem que a viram e saíram correndo.
Uma vez, sua turma do Gonça queria ver se existia mesmo a loira do banheiro. Fizeram o ritual, mas seu amigo Darley foi primeiro e saiu correndo, antes de terminar. Ninguém – e eram sete – ficou pra ver a moça. Se é que ela apareceu...
Isto, em pleno centro de Montes Claros.
Pior é a loira da internet. Conta-se que após um jovem baixar um arquivo e começar a conversar com a tal loira, ela manifestou todo o seu mal e ele não conseguiu parar de conversar com a tal moça. Acredito que muitas crianças e adolescente que conhecem a lenda ficaram com medo, e pensam aionda hoje duas vezes antes de começar a conversar com qualquer garota na internet. Principalmente se ela for loira…
Este é um dos delírios urbanos que acometem, vez por outra, a nossa imaginação.
Parece não ter sido à toa o porque de Franz Kafka se basear em parábolas, lendas e mitos para escrever narrativas em que aparecia o absurdo e as armadilhas do poder. As lendas, urbanas ou não, por mais simples que pareçam, contém uma carga de contundência e denúncia, que a reflexão crítica às vezes mal consegue roçar.
Ruth Tupinambá conta, no livro “Montes Claros Era Assim”, que as crianças pintavam e faziam traquinagens durante o dia e a mãe sempre dizia que, à noite, elas veriam o lobisomem. “Ele sempre aparece aos meninos mal criados e desobedientes, vocês vão ver!” Na hora de dormir, o arrependimento e o remorso vinham quando se lembravam da “profecia”. Para dormir, o melhor era cobrir até a cabeça com o cobertor, e ficar suando as bicas. O coração apressado, o silêncio da noite... Qualquer barulho era assombração: alma de outro mundo, lobisomem, mula-sem-cabeça. Será Ventura - aquele mendigo de dentes amarelos e grandes -, que virava lobisomem?
De tempos em tempos, uma lenda urbana aparece. Como uma cobra escondida numa inocente piscina de bolinhas que mordeu uma criança, que ninguém sabe quem é e nenhum hospital recebeu. O fantasma do guarda noturno que aparece, ainda hoje, no Colégio São José, olhando se as portas estão trancadas. As balinhas com drogas distribuídas para as crianças nas escolas. Ou aquela do amigo da minha sobrinha que falou que tinha um carro preto no bairro roubando crianças. Pior, ele garantiu que isso tinha acontecido com o filho de um vizinho dele...
A internet e até mesmo a imprensa ajudam a disseminar estas lendas. Por aqui, tivemos a mulher de sete metros, que assustava os moradores no final da linha de lotação do Morada do Parque. A estória de João Carlos Queiroz é até hoje vivida no “Festival Folclórico”, durante as festas de agosto.
Em Janaúba, eu e o jornalista Benjamin Oliveira Junior descobrimos a história de uma serpente que passou perto de uma casa, no distante ano da grande seca, 1939. Com depoimentos de moradores, histórias de pescadores e fatos reais, foi criado o monstro do Bico da Pedra, uma espécie de primo distante do monstro do Lago Ness, da Escócia. Pois depois que a história foi publicada no jornal Estado de Minas, muita gente jura que viu o danado. Tem gente que faz campana no lago até hoje.
Na subida da serra de Francisco Sá existia a moça de branco, que deve ter migrado da subida da serra de Montes Claros para Bocaiuva.
Em 1938, os Estados Unidos entraram em pânico ao ouvir no rádio que a Terra estava sendo invadida por aliens. Mas era só o cineasta Orson Welles lendo um trecho do romance “A Guerra dos Mundos”, de H.G.Wells.
Discos prateados rodopiando pelo cosmo, luzes alucinadas, texturas estranhas. É perfeitamente racional supor que há vida inteligente fora da Terra. Ainda não há provas. Erich Von D’aniken, autor do “Eram os Deuses Astronautas?”, afirmou que os extraterrestres já estiveram no nosso mundo. E há evidências. Uma delas seriam as pirâmides do Egito.
Nossa história é cheia de lendas, urbanas ou não. Tem o Caipora (ou Curupira, Pai do Mato, Mãe do Mato, Caiçara, Caapora, Anhanga). Trata-se de um anão de cabelos vermelhos com pelo e dentes verdes. Como protetor das árvores e dos animais, costuma punir o os agressores da natureza e o caçador que mate por prazer. Está na hora da turma do S.O.S. Sapucaia (Serra do Mel) chamá-lo.
O Boi Tatá é um monstro com olhos de fogo, enormes. De dia é quase cego, à noite vê tudo. Diz a lenda que o Boitatá era uma espécie de cobra e foi o único sobrevivente de um grande dilúvio que cobriu a terra.
A Mula sem cabeça já apareceu diversas vezes. Está presente até na história de Janaúba. Nos pequenos povoados ou cidades, onde existam casas rodeando uma igreja, em noites escuras, pode haver aparições da Mula-Sem-Cabeça. Também se alguém passar correndo diante de uma cruz à meia-noite, ela aparece. Dizem que é uma mulher que namorou um padre e foi amaldiçoada. Toda passagem de quinta para sexta feira ela vai numa encruzilhada e ali se transforma na besta.
A Iara, que acabou comendo Macunaíma, foi registrada na história pelos cronistas dos séculos XVI e XVII. No princípio, o personagem era masculino e chamava-se Ipupiara, homem peixe que devorava pescadores e os levava para o fundo do rio. No século XVIII, Ipupiara vira a sedutora sereia Uiara ou Iara. Todo pescador brasileiro, de água doce ou salgada, conta histórias de moços que cederam aos encantos da bela Uiara e terminaram afogados de paixão. Diz o secretário de Cultura de Montes Claros, Ildeu Braúna, estudioso do Rio São Francisco, que quando a mãe das águas canta, hipnotiza os pescadores.
A cobra grande é uma das mais conhecidas lendas do folclore amazônico. Numa tribo indígena uma índia, grávida da Boiúna (Cobra-grande, Sucuri), deu à luz a duas crianças gêmeas que na verdade eram cobras. Para ficar livre dos filhos, a mãe jogou as duas crianças no rio. E lá no rio eles, como cobras, se criaram.
A lenda da Vitória Régia era contada pelos pajés tupis-guaranis, Dizem que no começo do mundo, toda vez que a Lua se escondia no horizonte, parecendo descer por trás das serras, ia viver com suas virgens prediletas. Diziam ainda que se a Lua gostava de uma jovem, a transformava em estrela do Céu.
Já o Papa Figo, ao contrário dos outros mitos, não tem aparência extraordinária. Parece mais com uma pessoa comum. Outras vezes, pode parecer como um velho esquisito que carrega um grande saco às costas. Na verdade, ele mesmo pouco aparece. Prefere mandar seus ajudantes em busca de suas vítimas. Os ajudantes por sua vez, usam de todos os artifícios para atrair as vítimas, todas as crianças. Eles agem em qualquer lugar público ou em portas de escolas, parques, ou mesmo locais desertos. Depois de atrair as vítimas, estas são levadas para o verdadeiro Papa-Figo, um sujeito estranho, que sofre de uma doença rara e sem cura. Diz que para aliviar os sintomas dessa terrível doença ou maldição, o Papa-Figo, precisa se alimentar do fígado de uma criança.
Lendas existem aos montões: a do ladrão de órgãos, a boneca enfeitiçada, a fada dos dentes, carona do além, a menina das flores, a loira da garagem (que deve ser parente da loira do banheiro e da internet).
No cemitério Bonfim, muita gente ainda tem medo de certa quadra, onde guarda noturno, hoje aposentado, dizia ouvir vozes. Mas nunca via pessoas conversando. Ele não sabe explicar o fato. Lembra que da última vez que ouviu vozes, ao invés de fazer uma oração, preferiu sair correndo de lá.
Cemitério tem obras de artes, é um lugar para se andar e pensar em paz, mas também pode trazer medo e lembranças assustadoras.
Como os seres humanos, as lendas urbanas nascem, crescem, sofrem mutações, se reproduzem e morrem. Mas muitas vezes ressuscitam.
Final, o misticismo está em tudo. A vida é um milagre. E nós estamos cercados por milagres...

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