terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tropeçar também ajuda a caminhar

A gente nem sente a vida passar.
Agora mesmo, vou fazer 58 anos. Temos ainda quantos pela frente? Ainda mais lutando contra um doença que brinca de esconde-esconde no nosso corpo...? E a vida é tão boa!
Eu vivi bem todos estes anos, não posso me queixar. Desde quando me entendo como gente, da minha infância até agora, que nem sinto que sou avô de uma menina de 15 anos, e de dois japoneses. E que estou para ser um sessentão... Tomara!
Tem dias que a gente acorda com todos os demônios em alerta. Acho que hoje é um destes. Queremos falar de tudo, e tudo chega como em quartos da memória, salas de lembranças.
Nem me lembro quando conheci a Coca-cola. Num dos quartos da memória (ou seria numa das salas?) há uma festa na casa dos meus padrinhos Elias e Iraci (Zita) Camargo, onde, praticamente, me embriaguei com o refrigerante. Antes, só conhecia o Guaraná “RC”, ou “Luna”, cuja música era tocada na ZYD 7: “Guaraná Luna, Guaraná Luna, é melhor e não faz mal...” A RC, da Ramos & Companhia, cheguei a conhecer a fábrica, a Rua Irmã Beata, perto do nosso campo de futebol. A Luna, creio, era perto do asilo São Vicente de Paulo, no final da Doutor Veloso, perto de outro campo de futebol.
As pessoas sempre me alertavam, antes de provar, que a Coca tinha gosto de sabão. Depois de prová-la, acho que deveria ser um bom sabão. Anos depois, o irmão mais velho me ensinou a misturá-la com Rum Montila. Fiquei fã de Cuba. Libre! E comecei a me interessar por Che Guevara e a revolução. Mas... O que tem isto a ver com o dia de hoje? Parece papo cabeça de Wood e Stock, aqueles dois personagens que fumam orégano para sentir o barato.
Outro quarto da memória: tive meus amigos invisíveis quando criança. Como os que meu filho Luis Carlos Junior teve, até pouco tempo atrás. Ou ainda os tem, mas estão viajando. Eles se foram, como os do meu filho. Numa viagem. Na adolescência, cheguei a ter diversas amantes invisíveis. Agora, acredito ter vários inimigos invisíveis. Alguns, porém, muito visíveis.
Mas o quarto da memória que mais gosto é o de Montes Claros. Teve um tempo que tinha aquele negócio da visita de um amigo, no domingo a noite. Minha mãe me obrigava a tomar banho no capricho para estas visitas. Que nem interessava tanto a gente, mas só aos pais. Mas íamos, educados que éramos. Éramos? Pois! E na mesa? A gente se esforçava para usar corretamente os talheres e não falar com a boca cheia. Abrir os braços para cortar a carne então...
Eu lembro que já tomei muito óleo de fígado de bacalhau. Devia ser de bacalhau mesmo, pois só via o peixe na sexta-feira santa. Cozido, com batatas e sem a cabeça. Mas nunca na minha vida tomei as famosas pílulas de vida do Dr. Ross.
Quartos e salas existem muitos, principalmente sobre festas de aniversário. Na infância, sempre que ia a uma festa, vinha pra dar dor de barriga. Depois! A gente se empaturrava de cajuzinho, olho de sogra, bolo, pastel pipocado, sanduíche de pão de forma com maionese feita em casa.
Afinal, ciclos se abrem e se fecham. E a gente tem que se dar conta disso.
Agora mesmo, minha filha faz 15 anos.
Certo, tenho outras, até mais velhas. Sem falar os nomes, pois elas não gostam que se revele a idade; Uma de 32, outra de 30, mais um de 22, a gorutubaninha de 21, Victória Angélica Maria, que faz 15, e o Luis Carlos Junior, o Juca, encerrando a família, com seus atentados 10 anos. A família é uma transação de olhos e retratos, nos ensinou João Rosa. Todos feitos por prazido divertimento engraçado, é bom acrescentar.
Eu sempre imaginava que ao chegar a esta idade, estaria mais tranqüilo, cuidando de coisas fúteis, com hora para leitura, descanso, caminhada. Graças a Deus, o destino, e Ele, não me deram isto. Propuseram coisas diferentes como acordar cedo, preocupar com as pessoas, chamar as crianças para irem à aula, dar o leite à Lara, comprar pão e bater papo com Newtinho Rabelo na Padaria Montes Claros, fazer achocolatado, dar camarõeszinhos para Carolina. Depois, saborear um iogurte com germe de trigo, aveia, farinha de linhaça, passas e granola. Começa o dia. Sair para o trabalho, encontrar amigos - e inimigos -, e cumprimentá-los, com o mesmo sorriso. Viver da vida o melhor que ela nos dá, mesmo com tanta coisa ruim.
Hoje, fico olhando e imaginando estes meus filhos. Bianca adora música. Tanto que só se apaixonada por bateristas de bandas. De preferência, que gostem de rock. Morena está 24 horas adiantada, num Japão em reconstrução, mas, aposto, com saudades de casa, do arroz com pequi que só o pai sabe preparar. Brisa, minha gorutubaninha, vem sempre, liga sempre, mais do que eu ligo pra ela. Um amor. Duda está ao lado, mesmo não tão perto, mas menos distante, com suas preocupações, saindo da adolescência. Toya e Juca ficam presentes. Juca mais preocupado, na idade da inocência. Toya, na idade do descobrimento amoroso, das doiduras infindas. E eu que pensei que ele seria uma moça fina, discreta e, até mesmo, equilibrada. Nem namorado teria. Qual o que!
Quando, seu moço, nasceu meu rebento, veio pra arrebentar, me lembra o Chico Buarque. Chegou um mês antes do esperado, talvez porque não queria ser tia de Bárbara, minha neta, que nasceria primeiro. E chegou para bagunçar naquele 28 de abril, mesma data da inauguração da Sorveteria Cambuy, anos antes. Veio para equilibrar as coisas, unir as pessoas. Que o tempo é que a matéria do entendimento.
Veio para trazer lembranças. Como quando escuta “He ain’t heavy, he’s my brother”, e me traz Rays para perto de mim. Ou quando revê a série “Maisa”, e, sem querer, faz-me sentir mãe Maria ao lado cantando baixinho “Meu mundo caiu...”, no meu ouvido. Ou Juca, quando dorme com os joelhos levantados, e quando anda na praça, com as mãos para trás, me trazendo Novaeszinho de volta. Felicidade se acha é nessas horas, em horinhas de descuido.
Por isso, filhos, lembrar um tempo é como escrever uma fábula, misturando elementos indistintamente. É como fazer um universo ficcional junto a elementos fantásticos, distante deste naturalismo que toma conta das histórias. É isso. Só isso!

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