domingo, 20 de maio de 2012

Com Ricardo Xarope, no país dos baurets

Não curto o roqueiro radical. São radicais e preconceituosos, tanto quanto os radicais da MPB. Também não curto o torcedor radical. Mas às vezes, me acredito radical. Deve ser por isso que sou ainda hoje um apaixonei pelo “Os Mutantes”. Paixão que fica guardada no peito, e quando escuto uma daquelas canções, mexe com minha cabeça, e me faz até mexer com o corpo. Naturalmente, sem dançar. Para não dançar, como ela nos ensinou anos atrás. Tenho este amor por eles desde o final dos anos 1960. Tem tempo, cara! “Pisa o silêncio, Caminhante noturno, Foge do amor, Que a noite lhe deu sem cobrar, Sem falar, Sem sonhar”. Quando os vi, me apaixonei novamente. Principalmente pela vocalista. Aquela mulher com cara de menina com jeito americano de ser, magrelinha como música de Luiz Melodia. Aquele corpo andrógino. Paixão a primeira vista. Comigo, não haveria pecado do lado de baixo do equador. Eu namorei com ela, embora até hoje ela não saiba. Se soubesse, terminaria tudo. Já havia seu romance com Arnaldo... E seu futuro estava traçado: seria a primeira rockstar brasileira, hoje nossa vovó do rock. Mas, qual o quê! Diz a história que “Os Mutantes” - Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias - eram influenciados por grupos de twist brasileiros, como The Jet Blacks. Sei não! Sei não! A influência, para mim, vinha mais de cima. Sei que, ao apresentar o grupo para Ricardo Xarope, meu parceiro de músicas, mulheres, ilusões e desilusões àquela época, ele o influenciou a tal ponto que pelas madrugadas e serenadas da vida, tínhamos que tocar 2001 ou Caminhante Noturno. Fuga número II aparecia vez por outra, mas muito difícil. A influência foi tanta, que Ricardo a levou para os céus e, vez por outra, me aparece em sonhos, cantando “Banho de Lua”, com aquele jeito que só “Os Mutantes” cantam. Além de “2001”, de Rita Lee e Tom Zé {Astronauta libertado/ Minha vida me ultrapassa/ Em qualquer rota que eu faça; Dei um grito no escuro/ Sou parceiro do futuro/ Na reluzente galáxia}. São ótimos estes sonhos. Caímos na farra. Às vezes até o Hudo Fidelcino aparece. Mas só raramente... Vamos um pouco voltar à estória. E diz a história que os irmãos Arnaldo e Sérgio formaram o grupo Wooden Faces com alguns amigos de colégio, no início dos anos 60. O grupo tornou-se um sexteto ao ser acrescido das Teenagers Singers, outro grupo paulista, cuja vocalista era Rita Lee, a quem namorei sem saber que eu namorava com ela. Tiveram outros nomes: Six Sided Rockers, “O Conjunto”, “O’Seis”. Foi quando a banda gravou um compacto, raríssimo. Que não consegui até hoje. Foi só com o fim do “O’Seis” que Arnaldo, Rita e Sérgio formaram “Os Mutantes”. E isto, para acompanhar o cantor Ronnie Von em seu programa O Pequeno Mundo de Ronnie Von. Imagine! Eles ainda participaram do compacto “Bom Dia”, de Nana Caymmi - através de quem conheceram Gilberto Gil. O ex-ministro viu no trio paulista o complemento que procurava para inscrever sua canção “Domingo no Parque” no Festival da TV Record. Era o ano de 1967. Estava completa a trama. Está tudo lá no filme “Uma Noite de 67”. Em 1968, gravaram o clássico LP “Tropicália ou Panis et Circensis” na companhia de Gil, Caetano, Gal, Tom Zé e Nara Leão. Até aí, tudo normal na casa de Noca, que nunca é normal. O bom vem a partir desse momento, quando o primeiro disco Lp foi lançado. Era 1968, ano de boas e más lembranças. Chama-se “Os Mutantes”, foi influenciado pela psicodelia festiva dos Beatles e pelos gurus da tropicália. Nele, estavam Panis et circensis, A minha menina, O relógio (a primeira canção reunindo Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee em letra e música), Maria Fulô, a linda Baby, Bat Macumba. Passou. Era uma amostra do que viria. Eu quase posso palpar/ A minha vida que grita/ Emprenha e se reproduz/ Na velocidade da luz/ A cor de céu me compõe/ O mar azul me dissolve/ A equação me propõe/ Computador me resolve... O segundo LP, homônimo, revelava maior independência criativa, com criações próprias de sucesso, como “Dom Quixote”, “2001” ou “Caminhante Noturno”. “Algo Mais” era uma propaganda da Shell. “Fuga número II” era d-e-m-a-i-s, como diria João Jorge anos depois. “Banho de lua” (Tintarella di luna), com aquela guitarrinha ao fundo... E “Rita Lee”, a primeira canção feita com nome próprio para um compositor vivo. Além de “Qualquer bobagem”, com Tom Zé se unindo a Rita novamente. Entre a explosão da Jovem Guarda nos anos 60 e o Rock BR dos 80, eles fizeram a aclimatação do rock nos trópicos. Com a virada de década, o trio foi acrescido do baterista Dinho e do baixista Liminha. Mas, ao mesmo tempo em que ganhava em coesão instrumental, caminhava para uma sonoridade menos debochada, mais próxima do rock progressivo. Antes de sucumbirem, ainda lançam três LPs que mexem com as estruturas. Tendo a frente Rita e Arnaldo - Sérgio já viajava pelo som do progressivo... O primeiro, “A Divina Comédia ou... Ando Meio Desligado”. Nele, Arnaldo Batista e Rita Lee influenciavam em tudo: “Ando meio desligado”, “Desculpe, baby”, a ótima e debochada “Meu refrigerador não funciona”, “Hey boy”, e a gravação que fez Orestes Barbosa tremer no caixão, “Chão de estrelas”. Depois, Jardim Elétrico, com “Top top”. “Benvinda”, “Tecnicolor”, “El justiceiro”, “It’s very nice pra xuxu”, “Jardim elétrico”, e “Baby” regravada em inglês. Pra completar, em 1973, a despedida vem com “Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock and roll”, “Vida de cachorro”, “Cantor de mambo”, “Balada do louco”, “Rua Augusta”, e a progressiva “Mutantes e seus Cometas no país dos Baurets”. Rita saiu dos Mutantes em 1973, sem espaço no meio da obsessão técnica de Sérgio. Arnaldo a seguiu, mas já estavam separados. O novo disco, “O A e O Z”, foi fortemente influenciado por Mahanishvu Orchestra e Yes. Eu segui Rita Lee, paixão confessa. E ficava ao lado do Arnaldo, que lançou “Loki”. O disco, apesar de oficialmente não acabado, é uma das minhas obras primas. Mas as letras líricas e irônicas, as belíssimas e surpreendentes melodias acabavam ali, naquela separação de Rita e Arnaldo. Ela, virou a tia, hoje a avó do rock. Ele, pirado, ainda grava, vez por outra, depois de tentar o suicídio, vez por outra. Bom que não é bom em morrer como é bom em escrever canções. Enquanto escrevo e penso nas confusões que Ricardo Xarope arruma nos céus, escuto Let It Bed, do Arnaldo, onde mostra suas pirações geniais de hoje, tantos anos depois. Ricardo foi embora em outubro de 1987 para mares nunca dantes por ele navegado, imagino eu. Não sei qual era sua reencarnação, ele não me diz certas coisas do outro lado, nos nossos sonhos em comum. De lá, onde estiver, ainda curte “Os Mutantes” e os meninos da rua Doutor Veloso. Gosta, como eu, do lado anárquico de Arnaldo Baptista (que segue o rumo sem rumo ainda hoje) e da Rita Lee, que virou a mais pura alma de São Paulo. Ou melhor, a avó rock. Nossa! Só nossa! Mas agora, sem os famosos baurets do tim Maia. Os Mutantes mudaram a cara da música brasileira com um rock extremamente moderno, inquieto e bem humorado. Amparados pelos arranjos malucos do maestro Rogério Duprat, quebraram tudo no ano de 1968 em músicas que entraram para a história como “Panis et Circensis”, “Baby”, “Adeus, Maria Fulô”, “A Minha Menina” e “Bat Macumba”. Tudo entrava no liquidificador tropicalista e elétrico do grupo: canções francesas, folclore nordestino, Beatles, macumba e muito mais. Seus discos ainda hoje são indispensáveis para qualquer discófilo brasileiro que se preze. Entre bois, galos, pintos, galinhas, porcos e bem-te-vis, Arnaldo segue andando no caminho traçado por sua cabeça, naquele sítio perto de Juiz de Fora. Se encontrando com sua coruja, cortando jaca por estradas e ventos. “Se eu casei com ela, ninguém tem nada com isso”, canta, com a voz rouca em seu ultimo CD, Let It Bed. Os meninos da Doutor Veloso, que se reuniam em frente ao nº 1342, sob a guarda de “Sêo” Romeu, pisam o silêncio, como o caminhante noturno. Alguns partiram, alguns ficaram. Ricardo Xarope foi um dos que partiu não sei pra onde. Embora nos encontremos sempre, evita falar para onde vai no final do papo. Udo Fidelcino aparece, vez por outra. Agnaldo virou Charles, Juventino virou Tino e João Batista, Joba. Estão na batalha do dia-a-dia. Com isso, esfriam-se as relações... Nossa música, piorou muito. Seria hora de escutar a Rita Lee de 1977: “Ai, ai meu Deus/ o que foi que aconteceu/ Com a música popular brasileira?” Ou relembrá-la em 1970: “Dizem que sou louco...”

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