domingo, 20 de maio de 2012

Enquanto seu lobo não vem (Leya Bloodmary de novo)

Leya Bloodymary nunca havia puxado um fumo, até que foi convidada para ir à casa de um casal de amigos. Foi durante um carnaval. Drogas? Já havia passado por muitas na vida. Lembra quando seu pai colocava um frasco amarelado de lança-perfume na sua mão - comprado na Casa Jabbur -, e a deixava no baile da tarde do Clube Montes Claros, da Dr. Veloso. Montes Claros era uma cidade mineira conhecida por ficar próxima a Janaúba, que tem um lago onde, segundo a lenda, vive um monstro pré-histórico. E ali, no Clube Montes Claros, ela se soltava. Gostava da dança e daquela libertinagem liberada à tarde. Tinha confete, serpentina e Lana naquela adolescência. E Lana como amiga! Isto acontecia no final dos anos 1960, quando ainda existia folia no Clube Montes Claros e a alma do carnaval montes-clarense, seu Roque (Ferreira Barreto) segurava a turma até a manhã do dia seguinte com aquele seu tambor de marcação. Canhoto, tocava quatro noites sem parar nem para beber água. Estremecia as paredes. Mas, e Lana? Lana era sua amiga que após um périplo pela América do Sul, surtou. Talvez seja uma característica daquela geração, o surtar. Tomou tanto chá e viveu amores inquietos nesta viagem, que voltou atormentada por não poder colocar tudo em um único livro. Nunca escrito. Mick Jagger mais Greta Garbo mais Oscar Wilde. Lana interrompeu sua carreira de quase escritora em 1983, após 10 anos de tentativas. Foi criar peixes em uma fazenda no Projeto Gorutuba, onde conheceu Marquinhos Ribeiro e José Carlos Moreira, por quem mantém, até hoje, uma paixão secreta. Plantou arvores e peixes e vive por lá, sonhando em ter um programa matinal de agricultura na TV Serra Geral. Atividades bastante estranhas para uma mulher de amores inquietos e que sempre teve a vaga sensação que tudo ainda é pouco. - “Mas o que é que Lana fez na vida que não seja estranho?“, lembra Leya... Como Leya! Mas Leya nunca havia puxado fumo! Na verdade, viu seu amigo Juventino dia daqueles, risonho e franco, no final da Rua João Souto, sentado num muro, rindo a dedéu, depois de dar uma tragada num cigarro esquisito. Não sentiu atração nenhuma por ele. Nem por Juventino. Já havia passado por experiências antes. Uma delas, na casa de um namorado, Gêra, numa sessão que, embora regada a uísque e coca, ficou em sua memória. Ao acordar no outro dia, nua, sentada no sofá, com a televisão preto e branco ligada notou que o prato de comida - haviam feito um mexido na noite anterior? - estava com uma cor estranha. Provou e descobriu que tinham colocado um achocolatado. Descobriu ter usado Toddy no lugar de farinha de mandioca. Mas maconha, até então, nunca. Naquele dia - ou seria noite? -, vodka com maracujá, cerveja gelada, tira gostos diversos e muita música de Jethro Tull levou à cena gnomos, fadas, Lúcifer, crianças prodígio, vagabundos asmáticos, mendigos-filósofos, popstars neuróticos. Tudo num clima de ironia, algumas blasfêmias e obscenidades. Resultado: uma noite sem cerimônia. Ménage à trois. E naquela noite Leya tragou pela primeira vez. Algum tempo depois, contou pra turma a experiência, num papo em um barzinho serelepe no centro de Belo Horizonte. Naquela mesa, quase uma da manhã, se dividiam Ismoro da Ponte, Zacarias Mercau, Alexandre Magno, Gilberto de Abreu, Yone, Mário Boy e o próprio Elthomar - que a comia com os olhos por causa de sua cor de jambo e pecado. Lembrou a consequência do trago. Naquele dia disse ter feito um amor mui’louco, lindo e sóbrio o possível, com aquele tchan sensual. O próprio Elthomar Santoro Junior a definia: naquele momento o seu reflexo não tem nada a ver de sexo, nem de complexo, só de circunflexo. Afinal, naquela época eram líricos, loucos e soltos. Como a vida em alto mar, altomar, elthomar... Formavam uma patota que vivia e inventar coisas, propor coisas, discuti-las. Fosse em Montes Claros, fosse em Belo Horizonte, Janaúba ou Cannes. Isto aconteceu no período da grande ressaca, que veio depois do desbunde dos anos 1970. Foi naquele ano, 1984, um ano antes do Rock’in Rio, quando ela trabalhava no Elephantástic, que Leya se achava bem na vida. Tinha se separado de um amigo e morava em um apartamento da Ciosa. Exatamente 40 metros mal medidos abaixo, Coronel Georgino Jorge tinha seu escritório de advocacia. Ela recebia no apê, quase todas as noites, os amigos. Eram saraus animados que rolavam noite adentro. Hoje, Leya Bloodymary vive, atua e cria no plano da inconsciência. E ninguém que se proíba tirar os pés do chão da vida real será capaz de entrar em contato com a melhor parte do que ela faz, do que tem a dizer. E não precisa mais do que alguns minutos com ela para também concordar. ... No sofá vermelho de sua sala de estar, na Rua Governador Valadares, naquele desacerto arquitetônico do centro, Leya Bloodymary tem um cigarro aceso na mão e um controle remoto na outra. Ela zapeia a programação da TV, que prende seu olhar. Nada como um domingo jogado à preguiça, a vida real. E nada é melhor do que a nossa vida real, feita dos pequenos problemas do dia a dia, dos problemões, dos pequenos prazeres reais. O papo vai do surreal ao irreal naquele domingo pela manhã. O som que chega péla janela vem da Feira de Artesanato, alguns metros abaixo, na Praça da matriz. O papo vai e volta falando das amizades e das relações. De Quinzim a Manoel Oliveira, de Gabriel a Mirinha Maciel, do Ataq-cardíaco a Jota Dias, até chegar a Gélson Dias. É fã de carteirinha de Gêdê, que conheceu na antiga ZYD-7, na Simeão Ribeiro, ainda na época de Daniel e Geraldão. Diz se aconselhar com o horóscopo dele todos os dias, na Educadora AM. Atribui a Gêdê o título de um velho jovem sábio, por ter comportamento sereno – embora tenha conquistado esta serenidade só nos últimos anos -, o voicer-over da existência. De fato, Gêdê, que aparentemente nunca foi jovem, nem velho, instila uma esperança profunda advinda da experiência. Leya é tarada ainda hoje por pinturas, observo. Gosta de pintar quadros eróticos. Não sei se vai fazer uma exposição nesta cidade tão correta. Suas obras estão ali, espalhadas pela sala. São pelos pubianos, seios, nádegas, e até o pênis ereto de algum modelo montes-clarense. Ela ri, gostosamente, quando falo sobre isso. Ah, se você soubesse o perfume que as águas teriam se o tivessem... Leya nunca prometeu a ninguém noites de incendiar o lençol, nas noites com ela, principalmente após um jantar em Madame, na Vila Ipê, nos idos de outubro de 1978, ouvindo o burburinho do Córrego Pai João ao fundo. Nestas noites, sempre em outubro, quem esteve com ela diz ter visto estrelas no céu que se fazia no seu quarto. Porque ela nunca deitava em uma cama que não fosse a dela. A memória chega a uma quarta-feira, 13 de outubro, de um ano esquecido, em que fomos ao baile das fadas. Noite escura de um outubro negro, mês de alegrias e pesadelos, em que ela percorria os corredores da minha alma. Leya diz que se tivesse coragem, rasgava o caderno de telefones e fazia outro, só com o nome das pessoas que estão guardadas dentro do seu coração. Pra isso, ela não precisaria de agenda...

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