domingo, 20 de maio de 2012

Marya Pina Colada, uma estória

Época de Festas de Agosto em Montes Claros. O pai de Marya Pina Colada era francês, não falava português – Marya servia de intérprete, e os dois se adoravam. Em compensação, Marya tinha medo da mãe – na sua presença voltava a ser a menina da mamãe que era espancada dia sim, dia não. Os pais moraram em Martinica, um departamento ultramarino insular francês no Caribe, com fronteiras marítimas com a Dominica e com Santa Lúcia. De lá, vieram parar em Montes Claros, através de um convite de Hermes de Paula. Aqui, nasceu Marya. O Pina Colada do seu nome veio na adolescência - pelo gosto que tomou pela bebida que seu pai adorava fazer. Morou durante um tempo num casarão da rua Dr. Veloso, e foi lá que a conheci. Marya fazia aquela brincadeira do copo. Fazia o copo andar e responder questões soletrando as palavras a partir de letras escritas numa mesa. E aquilo, naquela época, chamou a atenção. Afinal, eu e meus amigos podíamos, assim, falar com os espíritos que tanto nos assustara na meninice. Ela foi uma das primeiras mulheres a estudar no colégio São José, colega de Rita Zuba, Beth Guimarães e Mirinha Maciel. Na fase adolescente, já morando sozinha, Marya gostava receber os amigos em sua casa, de cozinhar - e fazia isso muito bem, mas só macarrão, que comia todos os dias. Gostava de trocar receitas de temperos e cozinhar para os amigos e visitas, às 4 horas da manhã, depois de rodar a cidade com a turma. Quando ia aos restaurantes – Espeto de Ouro, Armando’s, Mangueirinha - chegou a inventar um coquetel de vodca com cajá-manga, que fez sucesso no Couro de Boi -, metia-se pela cozinha e dava palpite no conteúdo das panelas. Aprendeu a ser enxerida com Olguinha, irmão do Zezinho Beleza, um cozinheiro supimpa que José Amorim descobriu quando abriu o Espeto de Ouro. Era uma mulher gentil, mas também passava a “sensação de perigo”, sujeito a súbitas explosões de violência, mas que acabava lhe dando um certo charme. Sua fase áurea foi a mesma de Leya Bloodmary, mas não chegaram a ser amigas como deveriam, embora convivessem bem. Ciumes, dizem os amigos. Um dos seus sonhos era ser secretária de um prefeito. De Toninho Rebello a Athos Avelino, aí passando pelo Moacir Lopes – a quem ‘namorou’ tanto Paulo como Moacir Junior -, Tadeu Leite, com quem flertou na época de vereador, Jairo Ataíde... Foi amigo de todos os prefeitos montes-clarenses, mas nenhum cogitou seu nome para o cargo. Secretária de Cultura, nunca! Talvez por conta das pessoas estranhas que, às vezes, entravam em sua vida. No início da década de 1990, encantou. E quase sumiu. Justo ela, desbundada, que andou nua ao som de Raul Seixas, Gilberto Gil e Os Mutantes no festival conhecido como o Woodstock tupiniquim. Encaretou! É bom abrir um parênteses: Marya Pina Colada foi a quase todos os festivais de Águas Claras – inclusive no último, transmitido pela Rede Bandeirantes – naqueles distantes dias do final dos anos 1970 e inicio dos anos 1980. Ela e vários bichos grilos montes-clarenses, sob a filosofia do amor livre. Como Marcos Oliveira, Roberto Luiz, Fatinha e outros. Saiu de Moc e foi até Iacanga, em São Paulo, de carona, com aquelas roupas hippies, aquele cabelo louro de brilhar ao sol, e sem usar calcinha, coisa que não faz até hoje, conforme me segregou. Nem deixou aquela antiga vestimenta para trás. A que dá a ela, ainda hoje, aquele ar exótico e erótico. Dia destes, lembramos a vida e a viajem, durante uma cervejada no bar do Baixim, no bairro do Melo, entre uma Canarinha e outra, depois de muito tempo sem nos encontrarmos. - Só tinha maluco, cara”, disse com aquela voz estridente, característica dela. Magrela, alta, continua com seus traços lindos. “A gente usava maconha e chá de cogumelo, dormia cada dia com um. Ninguém era dono de nada. Foi uma experiência ducarái!” Hoje, Marya é escriturária do INSS, formada em filosofia, advocacia e administração, e que sonha, um dia, ser Juíza de Direito. Não sei se com esta idade ainda vai dar pé! Não usa drogas, mas bebe uma cerveja e uma “boa” cachaça, como gosta de dizer. Pina Colada deixou de lado. É mãe de uma garota careta, que com seus 28 anos, ainda procura saber o que é namorar. - Em Águas Claras, dormi um dia com uma mulher estranha, numa espécie de nave espacial. Ela se chama Estelita, não vou esquecer este nome nunca! Acho que naquela noite fui abduzida. Lembro-me pouco do que aconteceu. O dia de cogumelos deixa a mente embaçada”, recorda. “Mas que rolou alguma coisa, rolou. No outro dia meus braços estavam roxos, e eu estava muito feliz, com uma dor gostosa entre as pernas. Outra vez fiquei com Sétima Luz, e tudo rolou de novo. Que experiência! Elas vieram da Nebulosa de Órion, e devem ter voltado para lá. E olha que já se passaram 30 anos. Época boa aquela, festival gostoso aquele. Todo mundo tomava banho pelado,” diz com certa melancolia e saudade. Lembro que costumávamos sair, costumávamos trocar idéias. Assunto era o que não faltava. E nesta conversa, não faltou mesmo. A cidade, a vida, a infância, sexo. Falamos sobre tudo. Até do novo bar do Egídio, que Marya está doida para conhecer. Mas a cidade rouba nosso coração, o esconde no meio dos carros, das pessoas, das ruas. Devora! Marya fala sobre a vida abre o coração – roubado pela cidade? – e deita a falar. Lembro de seu rápido namoro com Bob, Roberto Luiz, irmão do Ernesto. Às vezes brigavam por parágrafos, como se passear por florestas, em busca de crônicas e cogumelos. Às vezes, se davam bem, amavam-se, como se a floresta fosse logo ali na esquina. Seria a menina filha de Bob? Marya, alegre, me conta que foi mordida por um lobo, quando atravessava os Estados Unidos, naqueles anos loucos. É sábado à tarde, a cerveja gelada, a cachaça, o calor, a carne de Baixim vem com farofa de andu. Uma delícia. Faz mais de 40 graus em Montes Claros, mas ela está de preto, crucifixo no pescoço e um sorriso largo no rosto. Na mão, um livro de Anne Rice. Abre a bolsa, dentro está Drácula, de Bran Stocker. Diz ter começado a ler Crepúsculo, incentivada pela filha, mas não se interessou. Muito adolescente. - Minha saúde não andou boa nos últimos tempos”, diz, acrescentando que vai passar a virada do ano no Rio de Janeiro. E lembra: “foi um dos grandes momentos da minha vida, ver os Rolling Stones na praia. O Cristo no alto do morro é a coisa que guardo desde que vi numa pornochanchada”. Por isso, quer voltar lá. Não sei se pela pornochanchgada ou pelo Cristo Redentor. Marya não terminou a última faculdade. “Parei! Fui péssima no São José, era época de porres e descobrimento de vida. Depois, fiz faculdades demais para virar escrituraria do INSS. Quero é me aposentar. Você se lembra de Mirinha?”, pergunta, e diz que tem muitos anos que não a vê. “Tenho saudades dela, e olha que moramos pelas mesmas bandas...” Tomara que se encontrem, penso eu. Noto que Marya está mais magra. “Voltei a correr, gosto muito do meu corpo. Ainda dou um caldo! Quer experimentar?”. Quem diria, naqueles tempos de Rebordosa. “Naquela época comia e bebia muita besteira. Tem uma hora que você quer ficar bonitinha”. A voz está mais lânguida, o tira-gosto acaba. Ela sorri, diz que vai embora. “Outro dia a gente conversa mais”. É! Outro dia. Ela vai, na porta dá um tiau, entra no carro. E continuo com os mistérios que rondaram nossos silêncios e eu nunca quis quebrar... As Festas se Agosto parecem nos trazer aquele sabor de infância, adolescência, e uma tranquilidade de ver que, por mais que as coisas estejam mudando tão rápido, algumas continuam as mesmas.

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