domingo, 20 de maio de 2012

Por onde andará Fatinha Screwdriver?

Era uma República com “R” maiusculo, atípica, no inicio da subida da Avenida Cula Mangabeira. Nada de estudantes. Lá moravam um músico, um radialista e um diretor de teatro e ator, vez por outra. Carinha, Fernando e Robson. Tinha violão, tinha flauta, tinha baixo, catira e histórias. Frequentada por pessoas tipicas. Deixa ver se me lembro, assim, de rapidão: Ildeu, Maria de Fátima, Francisco, Pretinha, Juventino, Fatinha, Luiz Carlos, Lea, Gera Brandão, Pretinha, Ione, Fatel, Eduardo, Gastabala, Elthomar, Diva... Sim, e os ensinamentos de Bahá’u’Iláh. Lembro bem, tinha três quartos, um para cada um, banheiro, cozinha nunca usada e uma área na frente. Era uma casa pequena pro seu ritmo de vida, e qualquer dia desses, seus ocupantes iriam voar pra longe. Isto estava no ar. Mas lá, durante algum tempo, ficaram plantados os amigos do peito. Casos engraçados, cômicos e tristes ocorreram naquela República da Cula. Uma vez o Diva, com seus catorze, quinze anos, dormiu ali. Sábado para domingo. Ao acordar e abrir a janela viu algumas meninas nuas, tomando banho de ducha. Que susto! A primeira vez que o garoto Diva via mulheres nuas. Sem saber o que fazer, fechou a janela e voltou para a cama. Embrulhou todo e fez que dormia, enquanto batia uma... Carinha, que passava as noites aprendendo a tocar baixo, era o mais tímido de todos. Flautista, não um de Hamelin, mas bom. Nunca conseguia ganhar uma menina. Até que uma vez tomou coragem, depois de beber umas no Stalo, um barzinho que tinha ali perto, no Melo. Se engraçou com duas garotas, papo vai, papo vem. Pediu aos amigos um tempo. Queria ir para a República antes, fazer o que tinha que ser feito com as meninas que engraçaram com ele. Fernando e Robson ficaram no bar do Celsinho até a madrugada naquele dia. Quando chegaram, encontram Carinha na porta, tocando flauta. Na sala, deitadas num tapete voador, as duas se beijavam e rolavam. Nada rolou, entretanto, para Carinha. Na radiola, velha, mas funcionando, Ângela Ro Ro cantava “Nosso amor ao Armagedon”. A historia que ela cantava parecia feita sob medida para a hora... Frequentou lá uma, duas ou três vezes, se muito, a Fatinha Screwdriver. Que revirou a cabeça e o coração de Fernando. Um mulherão. Encontrei dia destes com ela, no Bar do Quinca’s – ou teria sido no Egídio? Estava com a turma da República do Pequistão. Continua a mesma, com seu olhar interessante, corpo de menina e amor no coração. Se você tiver, ainda hoje, a sorte de ficar alguns minutos a sós com ela, vai ser surpreendido pela franqueza com que responde suas perguntas. Quieta e modesta se confessa imensamente tímida. Quem não se apaixona? Perguntei como, então, ela consegue criar coragem para contar suas aventuras. Acontece, diz. É uma espécie de energia. Fátima foi casada três vezes e tem três filhas. “Estou entre namorados. Sou fácil de amar, mas conviver comigo é impossível. Não há nada em ter um companheiro legal. Você quer uma pessoa para a qual possa voltar, quando retornar para casa e dizer “tive um dia de cu. Merda mesmo!”. Isto não vai ajudar com o dia, mas você tem alguém para dizê-lo”. Diz que gostaria de ter podido conservar um relacionamento casado normal. “Minha amiga Marta está com o mesmo homem desde a época da escola. Sinto inveja por isso. Ela me mostra fotos e filmes de suas viagens de férias e reuniões em família. Há um equilíbrio nisso”. Fatinha Screwdriver é assim. Desde a época que Fernando a conheceu. Pergunto a ela se lembra dele, da época daquela República, do Jorginho Santos, do carnaval de 1983, do Seis a Seis... Ri, com aquela boca de... tantas coisas. Tanto desejo. Com ela há um risco de amor em cada esquina, um pivete, um malandro, um parabellum e o desejo de roubar aquele beijo azul, rosa, branco e amarelo. Mas a vida real não acontece como nos filmes, em frases mágicas e enigmáticas. Hmmm! Fico imaginando que noites ela perdeu por não querer ficar comigo, acreditando que eu era apenas amigo e amigos antigos devem dizer boa noite e é só. O relacionamento de Fernando e Fátima foi rápido, como rápida e ávida é a vida. Algumas semanas, alguns dias? Uma noite de amor na República da Cula, uma passagem pelo Chicken, aquele barzinho da Praça Capitão Enéas. Uma cerveja, um tira-gosto. Uma calcinha desaparecida na noite de amor, um bilhete de paixão deixado ao lado do corpo nu... E muito amor naquela noite...? Porque eu não sei falar de amor, amor é coisa que eu só sei fazer..., diz com aquela boca. Aquela boca! Casos engraçados, cômicos e tristes aconteceram naquela República da Cula. Uma festa de aniversário da Fatel, numa surpresa feita pelo Gera, e que acabou com a chegada da policia, correria, gritos, ai, tira a mão do meu peito. Baculejo em todo mundo. A visita de Elthomar Santoro Junior – que morava em Beagá – com sua namorada cantora (Paula Santoro?), justamente no dia em que faltou água na casa. Os namoros tantos. Tontos. Doidos e doidos... E os papos, longos papos entre os três e sempre um visitante ilustre, seja garçom, chofer de táxi, marinheiro, vendedor de loteria ou biscateiro. Hoje, anos depois, ainda lembro daqueles três mosqueteiros, que por nada resolveram morarem juntos. Com um detalhe: almoçavam e jantavam na casa dos pais. Coisas da vida!, cantaria Rita Lee. Mas coisa boa mesmo é um amigo pra poder relaxar e jogar conversa fora. Coisa boa mesmo é um amigo pra poder relembrar, pois são tantas histórias... Mas a maior história acontecida ali foi mesmo o amor entre Fernando e Fatinha Screwdriver. O resto é estória. Agora, todo dia eu fico na minha janela esperando que ela passe e passe o mundo sem ela... Mas nunca acontece. Por onde andará Fatinha Screwdriver?

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