domingo, 20 de maio de 2012

Nos dias de hoje...

Como a maioria das cidades, Montes Claros está em constante estado de mudança. Uma barbearia vira ponto de jogo de bicho. Uma casa vira zona. Uma mercearia, puteiro. No coração da cidade, então, ocorre uma revolução. Os moradores são despejados para que o comércio floresça. Coisa de grandes cidades? Ou de cidades grandes? Montes Claros, o que é? Muitas coisas fazem de Montes Claros uma cidade especial. E diferente de todas as outras. Mas na verdade a aldeia de Augusto Vieira é um labirinto místico, onde os grafites gritam, a ganância vibra, a vaidade excita. Nela, ninguém vai pro céu. Dizem que há uma revolução na vida privada da cidade - como se a cidade tivesse vida privada -, com consequências metafísicas e políticas quase infinitas. É esperar para ver. Quando se conhece só a rua Dr. Veloso, você vai só até determinado quarteirão. Mas quando se descobre que ali já existiu carteado, bares, botecos, cabarés e restaurantes, e o fundo de um cinema, que dava para o número 384... é uma loucura! Não dá mais para voltar no tempo. Você já virou outra pessoa: Alberto Graça, Carlos Alberto Prates Correia, Luis Gustavo, Lara Araújo? Ah! Sobre a falta de... E ali, na escadinha do Clube Montes Claros, os garotos da rua, amor das meninas, mascando chicletes com seus canivetes... Isto é jeito, menino, isto é fama, garoto!? Os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã. Romildo Mendes, Ricardo Teixeira, Eliane Ivo, Ernane Camisasca, Eliane Jansen, Djalmir Lima, Sebastião Soares, Eustáquio Marques, Délcio Costa, José Manoel Pereira, Manoel Oliveira. Inventei crimes e histórias para vocês. Ah! Como é difícil tornar-se herói... Quando lançou em 1978 a música Cartomante, Ivan Lins e Vitor Martins pensavam apenas na evolução da democracia que naquele ano, lenta e gradual, já se podia ler (e ouvir). Mas em Montes Claros, nos dias de hoje/ é bom que se proteja/ ofereça a face/ a quem quer que seja. Nos dias de hoje/ Esteja tranquilo/ Haja o que houver/ Pense nos seus filhos... Passados 33 anos, “Cartomante” continua atual em Montes Claros. A onda de assassinatos iniciada alguns anos atrás – numa briga de gangues em busca de pontos de drogas, segundo a policia, numa queima de pessoas por um esquadrão da morte, segundo alguns policiais – ultrapassa os 100 neste ano de 2011. E não respeitam homens maduros ou adolescentes, crianças e velhos. Nos dias de hoje/ não lhes dê motivo/ porque na verdade/ eu te quero vivo. Quando passo pela rua Dr. Santos, meu envelhecer é um ditongo a mais, uma exclamação! De ais... Meus dias são dias descrentes, dias de feiticeiras ausentes, de neve, sempre presente no sertão do meu coração... São maus necessários! O Bar do João veio bem depois daquele tempo em que Mário Ribeiro receitava penicilina para curar doença venérea, em que a Rádio Nacional nos mostrava os caminhos de Jerônimo, o herói do sertão. Veio no tempo certo, e João foi para o céu no tempo certo. Coisas que só Deus vai explicar. Um dia! Montes Claros nunca chegou a ser uma grande boca de mil dentes, como via Mário de Andrade sua São Paulo. É uma cidade que vive a trancos e barrancos. E tome barracos, que se criam cada dia mais, embora o poder público não enxergue. Coisa mais sem juízo. Como o juiz Augustão, que inventou o juízo e a falta dele pela mesma medida justa. Nesta cidade, ganhei meu cabelos brancos, minha rugas. Mas estas rugas valem tanto quanto o olhar tímido da morena que passa por mim na viela perto da secretaria de Cultura. Dia chuvoso, trânsito parado. Vi gente se beijando na rua. Fazia muito tempo que eu não via isso. Beijar na rua. Montes Claros é uma cidade que tem vitalidade nas ruas. Há gente de diferentes cores e andam cinzas na chuva onde antes era o bar de Zé Priquitim. Gritam, oferecem táxi para Bocaiúva. Coisa de cidade grande? Ou grande cidade? Lá está Geraldo Mundial com o olhar generoso e a fala gentil. Ele é sereno, sentado no banco da Simeão Ribeiro, o quarteirão fechado principal da cidade de mil dentes. Nesta época em que as pessoas não tem mais tempo, Geraldo Mundial nos mostra que o tempo é, sim, senhor da razão. Mas o diabo, como se diz, mora nos detalhes. Onde começa e onde acaba a Rua Ruy Barbosa, que um dia um prefeito sonhador queria transformar em Avenida? A Avenida que hoje, resolveria o caos do trânsito na área central. O cheio de frutas, amora, maracujá, goiaba, manga rosa e ubá. É o mercado. Mas onde está o canto que a gente ouvia perto daquele mercado? Eu a ouvia cantar todo sábado. Era um canto pujante, quase um lamento, como lembrou Itamaury Telles. A cega Etelvina, que cantava sentada na escadaria do Armazém Pinto era um pedido de caridade. Para onde foi a música que, agorinha mesmo, a gente escutava? Talvez Virgínia (de Paula) saiba onde foi parar o Repente de Pedir Esmola, perpetuado por Teo Azevedo em um disco .Ai! Virgínia, amiga e madrinha dos animais. Inclusive de mim, pererequinha sem juízo. Às vezes penso que Virginia veio de um reino encantado. Sensitiva e intuitiva. Mas em sua solidão cabem muitos afetos. E ela os distribui. Silenciosamente, à sua maneira. Mas os distribui. E com isso irradia... Peço desculpas por lembrar tanto da minha cidade de alguns anos atrás. Mas a de hoje é um sufoco, um tormento, com uma violência de dar dó. Se andar no passeio, pode-se quebrar a perna ao pisar num buraco. Se para a rua, pode-se ser atropelado por um motoqueiro que não sabe as regras do trânsito. Sair de carro, não dá: tem buraco demais e ruas de menos para tanto automóvel. De modos que falar de Montes Claros antiga, de seus causos e cousas, talvez nos dê alento. Mesmo assim, peço desculpas se ofendo alguém que está enjoado com a antiga – e são milhares – e adoram andar pela Nova Moc. Aliás, Nova Moc é coisa antiga, dos anos 70, Moc 70, do Toninho Rabelo. Mas prometo ser menos leviano a partir de agora. Afinal, quem muito se evita, se convive. Tenho medo também de estar na absolescência. De me tornar absoleto, descartável, ultrapassado junto com os meus velhos LPs, vídeo-tapes e fitas k7. Não tenho medo do moderno, do contemporâneo ou do que há por vir. Nem medo do envelhecimento, de ganhar uma auréola, ou de espocar a cilibina. Pois no fim, contrariando Eduardo Lima e o delicado destino dos contos, não haverá um suicídio coletivo, para salvar os erros cometidos. Afinal, sobre o silêncio, só nos resta silenciar quando é tempo de tatufaia. Eta, confusão...

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