domingo, 20 de maio de 2012

Meus amigos são um barato... (II)

Meus amigos são antigos como meus ideais/ Como os vinil que guardei, crendo que eles vale mais/ Pois swatch não tem valor, tem preço/ Valor quem tem é quem tá comigo desde o começo A música “Meus Amigos”, de Emicida, me vem gostosa nesta manhã. Revejo o primeiro capitulo de “Meus amigos são um barato”, e noto que ainda falta falar de outros tantos, como tantos são os amigos do peito, amigos do coração, amigos que ficaram nesta longa estrada da vida, como canta Milionário e Zé Rico. Lembro-me como se fosse hoje, meu primeiro dia da escola, meus amigos de infância, de rua, das brincadeiras que o tempo levou. E me vem ao pensamento que a vida é sempre mais gostosa junto dos amigos. Márcio Hiram, Inhozinho, Gualter, Renato, Paulo Bobão, Luiz Henrique, o Ico, Zezinho Beleza, Altanir... A vida não é entendível. Onde estaria hoje Altanir Castro Silva, o China, Taninha, se não tivesse ido para o céu de maneira tão besta? Talvez na mesma caminhada difícil da vida. Ele, que jogou tanta bola nos paralelepípedos da avenida Coronel Prates, partiu não sei porque nem sei para onde. Assim, sem nem mesmo sentir, vitima de um atropelamento tolo, na Avenida João Luiz de Almeida, feita por um motorista tolo, que não devia passar por ali naquela hora. Mas a hora é de Deus, como a vida. Foi tão rápido, que nem deu tempo para se despedir. Altanir era um homem pequeno, mas de uma coragem imensa. E um sommelier de tubaínas. Copo na mesa, risada, molda a atmosfera/ Conversação, louvores, a quem é parceiro a vera/ Só que, tá sumidão/ Tempo aqui num sobra não/ Essa de bater cartão/ Mas é isso, tem que ter a responsa todo o dia/ Fazer o caminho, atrás dos dias de alegria/ Retornar como o sol, sempre acontece/ Se vejo um mano "ho!" aí quem é vivo sempre aparece/ Então chega/ Pede uma breja/ Puxa uma cadeira/ Porque assunto a gente tem pra tarde inteira São tantos os meus amigos. Tão amigos e tão queridos nas suas simples presenças que enchem a mesa de graça e calma. É Ricardo Xarope, João Ripão, Tino Gomes, Noraldino, Mary Magra e Mary Gorda, Emilio, Raimundo Bocaporca, Gudinho, Hudo, Valtinho, Dona Carminha, Seu Romeu, Fernando Zoiudo, Claudim Romeu, Agnaldo do Melo... Tudo, nesta vida, é muito cantável. Charles Boavista, Agnaldo do Melo, pescava no Rio Gorutuba, quando tinha peixe por lá, e eu morava nas redondezas. Já a barba, cabelo e ponteio, era feito no salão do Sinval Barbeiro, perto da Praça de Esportes. Boavista é daqueles que extraem das cordas uma inesperada combinação de delicadeza e rusticidade. Desta alquimia secreta vieram coisas maravilhosas, como “De Trem pra Montes Claros”, “Iara”, “Valsa do Amor Distante”, “Desentoado”, “Brejo das Almas” e outras. Nossa amizade começou sem tom, talvez um si menor, na rua Dr. Veloso, na casa do Seu Romeu. Foi ali que ele me ensinou os versos de Belchior - No centro da sala/ Diante da mesa/ No fundo do prato/ Comida e tristeza – e seu gosto pelo sertão de Rosa – sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar. Boavista ainda vive fazendo parceria com as águas do Gorutuba. Mas faz também com as do São Francisco, do Verde Grande, do rio do Melo, para que elas não tenham ciúmes. E com os passarinhos da floresta e da cidade. Nele, o universo, a vida, a arte, a natureza e a fé, tem fronteiras tênues. Se é que existem. As foto vão amarelar, desfazer e sumir/ Mas as lembrança dos nossos rolê tão aqui/ No peito, eu penso no que nóis perdeu também/ Mas penso e dô valor a tudo que nóis inda tem/ Grimaldo, Fidelcino, Kroger, Vasconcelos, Luisão, Pancho, Juventino, Pimenta, Brasil, Pedro Boi, Itamaury, Artur, Oliveira, Telles, Camargo, Baumer, Lopes... A vida nunca é onde. Ildeu de Jesus Lopes, Braúna, tem uma sensibilidade que capta pequenos detalhes grandiosos. Entre eles, o morejar das águas do São Francisco, que poucos sentem. Ele nos mostra, nas reminiscências de coisas perdidas no tempo, a natureza do nosso sertão montes-clarense. Na sua literatura, transfere para a gente a presença do folclore, a esperteza do sertanejo, a crendice popular, numa visão de sinestesia e metafórica. Braúna sabe mostrar o valor das pessoas mesmo na insignificância. Por isso escreve com musicalidade nas palavras. A mesma musicalidade com que vive a vida. Às vezes sua mansidão condena e confunde sim. Mas é quando não atiçam a fera louca que o habita. Ser fera não é ser bravo, sempre. A garça é suave e nem por isso deixa de ser selvagem. Amizade verdadeira a gente sente/ Posso ficar três vida sem trombar que nóis é amigo pra sempre/ Meus amigo são tudo pra mim/ Tamo junto até o fim/ Péricles, Aldo Madureira, Aliomar Assis, Eliezer Rodrigues (Estrôncio), Edson Bionde, Roberto David (Terror), José Américo, Lucidio Fagundes, Luis Carlos Santos, Roberto Luiz, Waldir Macedo... A vida da gente nunca tem termo real. Waldirzinho (Macedo) era mais velho do que eu alguns anos. Mas era como se não fosse, naquele Colégio São José da década de 1960 onde fomos colegas. Alguns poucos homens penduram cordéis no varal da vida. Waldirzinho foi um deles. Através dele fiquei amigo de Fátima Pereira, sua esposa. Fátima é uma pessoa inquieta, que vale acompanhar. Uma mulher brava, inteligente, doce e de opinião. Na verdade, uma figuraça, que não segue a corrente. Pode até parecer esnobe para alguns, mas quem a conhece sabe a amiga que tem dentro daquele coração. Fátima tem um quê da nouvelle vague, é uma poeta da vida. Tem o hipnotismo na fala. Pessoas como ela são como a vida, não é direito perdê-las, pois maior a vida se torna quando melhor conhecê-las. E conhecê-las de perto, tomá-las como companheiras de ideais, e nalgum lugar do peito sempre poder trazê-las. Assim como a noite traz consigo milhões de estrelas. E só falta a Fátima aprender a voar para sair por aí, como os pássaros. Fala se fulano casou/ Ciclano morreu/ Beltrano mudou/ Desapareceu/ Um virou pastor/ O outro se perdeu/ E vários largadão vivendo a vida que nem eu/ Felipe Gabrich, Tadeu Quadros, Luiz e Jorginho Santos, Aline Mendonça, Frajola, Josecé, Ildeu do Bar, Efrahim, Jorge Bodão, Celsão... A vida mente, mesmo quando desmente. Celso Leal estava disposto a morrer numa mesa de bar – nunca de tédio! Todos que conhecem um pouco a história do teatro montes-clarense, conhecem Celso Leal e Romildo Mendes. Eles foram uma espécie de divisor das águas do teatro na cidade, não há nenhuma dúvida. Um sustentava o outro. Celso vinha com “Explosão do Silêncio”, Romildo com “Vomu Popono”. Peças vinculadas ao real, ao visível, à experiência pessoal. Celso mais revolucionário. Romildo mais clássico, conservador. Celso inquieto, questionador. Nunca satisfeito com as respostas. Tinha uma fala feroz, que fulminava quem fosse contra suas idéias. Celso transformou o tédio em aventuras. Sempre esteve na cena – mais exatamente, no centro da cena. Sempre atento e imprescindível. Mesmo como coadjuvante. Romildo também nunca foi uma figura fácil. Enlouquecia durante os ensaios de suas peças, e passava de louco a gênio quando elas estreavam. Às vezes, não se sabia se era o personagem que estava ali, ou era ele. Celso era irônico, sem ser mortal. Delicado, sem ser afetado. Bravo, mas de uma doce melancolia. Era solidário e irascível, com um humor ácido. E podia ser maldoso até com os inimigos. Desprezava qualquer tipo de autoridade. Sua vida daria um filme simples, sobre um personagem nem tanto. Celso sabia onde queria chegar, mesmo quando pegava a estrada mais acidentada. Quem vai tá aqui na próxima semana/ Gargalhando pra sufocar as agonias suburbanas/ Viver é sentir saudades das épocas de alegria/ Lutar pra manter próximo quem fez brotar esses dias/ Meus amigos são tudo pra mim.

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