domingo, 20 de maio de 2012

Meus amigos são um barato... (I)

Meus amigos são um barato. Sempre achei! Desde pequenininho, quando freqüentava o pré-primário no Colégio Imaculada Conceição, no final da década de 1950. Hoje, cinqüentão, eles ainda estão ao lado. Por isso que, olhando meus cadernos de viagem, um filme passa diante de mim, quando revejo nossas velhas fotos, algumas amareladas pelo sol, pelo tempo. Outras naquele preto e branco que não some nunca. A gente os revê - alguns se foram, outros estão tão pertos, tão distantes. Mas sempre ao lado. Numa foto entre Celso Leal e minha mulher Maria Inês, numa festa na casa do irmão do Renato, olha lá o ‘Capa’. Eliezer Cruz, que gosta e Noel Rosa. Figura adocicada, não tão mel, longe do fel. Que, no Lanche Bem, sempre que me vê comendo doce de leite, me puxa a orelha: olha o diabetes! Na consulta de maio, estava controlado. Capa namorou minha irmã Ita, no final da década de 1950. Talvez início de 1960. Nem ele lembra bem. Nem ela! Namoraram como se namoravam naquela época. Bem diferente dos anos atuais. Ita, que gosta da Bossa Nova, acabou seguindo os passos de Geraldão da ZYD-7, Geraldo Ferreira, que comandou a Cultura e a Extra em Belzonte, além da TV Vila Rica. Meu pai musical, com aquela negritude azulada. Amando os Beatles e os Rolling Stones. Hoje está na TV Minas. Moram lá na capital. Não juntos. Não separados. “Um cantinho, um violão/ este amor, uma canção...”. Passo algumas páginas do álbum, aparece Xandão com aquele ar sonso, com um garoto e eu. Seduzido por Alice Cooper e Walter Franco. Alexandre Souto, filho de dona Ducarmo e Seu Antônio (Nanim), irmão de Nice, Aída, Maísa, Sandra, Lindaura, Áurea, Flávio, Carlos, Castilho e Júnior. Seus pais são os maiores costureiros da montes-clarina cidade. Xandão viveu muitos anos na Pedro Montes Claros, onde moro hoje. Chamei-o dia desses para vir em casa jogar conversa fora, lembrar de Zezinho Beleza, fazer uma parmegiana com Porretinha. Esperei, esperei, e nada. Ligou-me dizendo não saber onde eu morava. Expliquei de novo. Nada! Ele não achou a casa onde morou durante mais de 10 anos. Mas Xandão é assim mesmo. Desligado! Underground... “Ai, que vida boa, olerê/ Ai, que vida boa, olará/ O estandarte do sanatório geral vai passar...!” Numa outra página, a foto em um bar, ‘Pinduca’, Oliveira Junior, Pauleca, Jota Dias. Amigos de Janaúba, como Odilon Coelho, Gentil Antunes e Arnaldo Pereira! Arriba muchachos! Toda vez que assisto Midnight Cowboy - Perdidos na Noite, me lembro de Pinduca, Sebastião Caíres Martins, que traz grudado na pele Love Me Please Love Me, de Michael Polnareff. Andando com o inseparável amigo Guitarra, seu Sancho Pança, pelas ruas da cidade, bebendo no Bar dos Artistas na Avenida Brasil e comendo ovos azuis... Pinduca é a lógica mágica da ação do pensamento. Principalmente nas ruas gorutubanas, onde gostava de cantar “O Arnesto nos convido prum samba/ ele mora no Braz/ Nois fumos, num encontremos ninguém...”. Fotos do Oliveira Junior, como do Jorge Santos, Braúna, Porretinha, Pastel, são tantas e quantas nestes cadernos de viagem. Rindo, sorrindo, bravo, grande, pequeno. Oliveira, que aprendeu o sentido das palavras e hoje as expande, conheceu a Tropicália de Caetano, Gil, Mutantes, Tom Zé e tantos depois da onda. Filho de Seu Benjamin é assim. Destas pessoas que merecem sopinha, afago, arroz com carne moída, palavras de afeto, salada sem tempero, sobremesa. Daquelas pessoas que a gente conversa a vida inteira e vai além, tal seu jeito de ser amigo. “A esperança equilibrista/ sabe que o show de cada artista/ tem que continuar”. Uma foto diferente traz Odilon Coelho perto da Torre Eiffel, em Paris. É caso a parte. Nossa amizade é profunda, embora não nos encontremos há mais de oito anos. A última vez que conversamos - me ligou convidando para o casamento da sua filha. A ultima vez que nos vimos - morava na Praça Dr. Rockert. Já foi pra’s Europa, França e Bahia ene vezes. Sempre foi irreverente, à moda antiga! Deve escutar ainda “No Rancho Fundo/ Bem pra lá do fim do mundo/ Nunca mais houve alegria/ Nem de noite/ Nem de dia” na praça Dyla’s Cuei, o jardim da sua casa. Gentil Júnior era apaixonado por Kleiton e Kledir. “Vidente eu li no céu/ Vai por mim, somos corpo e alma/ Meu irmão, meu par”. Em geral, somos dominados pelo espaço, mas, de uma maneira espantosa, Gentil domina o espaço. Como Maiakovski, é todo coração. Radialista, historiador, jornalista, escritor, bancário, poeta, segue a vida cotidianamente e, sempre que lembro, varre o meu coração e da Inês, onde patina, como bem lembrou dia desses o poeta Dário Cotrim. Lembro-me da rádio Gorutubana, e de um dia que ele, de plantão, fez uma declaração de amor a Jeane, hoje sua esposa, pelas ondas da nossa AM: “Quando bebo perco o juizo/ Não me responsabilizo/ Nem por mim, nem por ninguém/ Não quero ficar na tua vida/ Como uma paixão mal resolvida”. Arnaldo Pereira, olhado de perto por Kau, é um punk modernoso que gosta de Bob Dylan. Tem sempre uma história para contar. Mas às vezes gosta de recontar a dos outros. Bebeu nas fontes gorutubanas, e por isso nos deve um livro sobre a cidade. Seus escritos excitam e desacomodam aqueles que estão acostumados à fórmula fácil de tantos jornalistas. Ele não é só jornalista. Ele é jornalista! E o sociólogo com mais personalidade que já conheci. ”Pois eu transformo água em vinho, chão em céu/ Pau em pedra, cuspe em mel/ Pra mim não existe impossível/ Pastor João e a Igreja Invisível”. Tem aqui uma foto do Porretinha magrinho. Coca litro, Edvaldo Pinheiro, filho do Seu Escolástico e dona Angelina, é aquele cara que tem um pé em Marcel Proust e outro em Agnaldo Timóteo. Embora não tenha lido nem um, nem goste de escutar o outro. É simples no cotidiano, e tem um sentido aguçado sobre aquilo que realmente é bom... Vive dentro dele, com aquelas diferentes maneiras de se relacionar consigo mesmo. Mas sai bem com as pessoas à sua volta. É normal. Afinal, os fantasmas também se divertem. “É chato chegar a um objetivo num instante/ Eu quero viver nessa metamorfose ambulante...”. As fotos de Tino Gomes. Juventino Dário de Oliveira, funde balanços caribenhos, jazz, samba, rock, reggae, numa mistura com nosso catopê e as raizes da música mineira. Fez para a cidade Montesclareou, um hino como New York, New York. Só faltou o Frank Sinatra gravar para ser sucesso mundial. Nem precisava: “Ê-ê, mundo dá volta, câmara!!!”. Outra página, outra foto: aniversário de João Avelino, no Quilombo. Estão lá o Luciano Meira, Aroldo Pereira, Edílson Xuxa Guimarães, Bióla, Celso Leal e Paulo Ribeiro. A cerveja Antártica, as camisas do Valore. Campanha. Celso esteve em minha vida – e está ainda hoje. Celso é aquela amizade que resistiu a tempos de caos. E o que nos salva nos períodos difíceis são esses valores, às vezes esquecidos, como a lealdade e a fraternidade. Em 1987, escrevi em Janaúba, e repito agora, trocando o ano: às vezes, sentado no sofá, dá uma vontade de rever todo mundo. A saudade de casa é grande... Aqui, um dia chove, outro bate sol. Parece até música do Chico. É um tempo esquecido, de gente esquisita. Mas não vá pensar que este desespero é moda em 2008, só porque ainda somos os mesmos e vivemos como Belchior...

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