domingo, 21 de novembro de 2010

Ainda somos os mesmos e vivemos como Belchior

Quando tinha meus 19, 20 anos, não havia tanta casa nem tanta gente em Montes Claros como agora. A geografia da cidade e seu céu eram mais notáveis.
Podíamos até reunir em grupo, cabelo ao vento, sair pelas ruas, gente jovem reunida, querendo colocar penico na mão de estátuas, subir e descer carros pelas avenidas de então.
Podíamos sentar nas esquinas e conversar com amigos até altas horas, pois viver é bem melhor do que sonhar.
Isto é impossível hoje para os meninos de 19, 20 anos. Há perigo na esquina, pior do que naqueles tempos em que o sinal estava fechado prá nós, que éramos jovens...
Podíamos pular naquele rio dos anos 1970 que inundava nossa imaginação e... Catibum!
Por isso, esta é uma história muito mais complexa do que aparenta.
Ao longo dela as pessoas vão perceber claramente o que parece ser erro de montagem e continuidade. Mas são apenas pequenas falhas, cenas que são mostradas de um ângulo por um e que, quando você ou/vê por outro, as cenas trazem os atores em posições diferentes da anterior.
Mas são perceptíveis para poucos.
Apenas causam um pequeno desconforto na memória. Passa rápido!
A realidade é fragmentada, distorcida pelo passar dos anos. Nem tudo que você ou/vê sobre essa história pode ser realidade.
Mas existe muita realidade nela.
Assim podemos tentar falar sobre a turma do Catibum.
Turma do Catibum?
Mas o que seria Catibum?
Apenas um pulo na água?
Apenas uma pedra jogada na água?
Não! Era um grupo que se propunha a revolucionar a cultura nacional, funcionando como uma pedra jogada na água. Ela provocaria círculos que iriam se expandir.
Não sei quem me convidou para participar. Acredito ter sido o Georgino Junior. Ou Reginauro Silva. Embora conhecesse todos eles.
Estive em reuniões etílicas adoráveis, onde quaisquer poesias, poemas, prosas ou proesias se transformavam em algo lindo, lúdico, na voz de Eduardo Lima. Até meus pequenos achados, que escondia tanto dentro dos armários do meu eu.
Era Eduardo lendo poemas, e a plateia pedindo bis.
Tínhamos uma proposta nova, com ambições intelectuais e educativas? Não!
Apenas uma turma de jovens anarquistas que queria mudar o mundo, a partir de Montes Claros.
Quanta pretensão!
Ainda mais naqueles encontros, em que o pior dos poemas ficava lindo após umas batidas de limão.
Éramos um bando de malucos cismados em ser poetas, como dizia Reginauro. Como se o grupo fosse a cabeça pensante da cidade.
Reuníamos na casa de um ou de outro.
Foram encontros no porão da Rita Maciel, na parte antiga da cidade; na casa do Fernando Rubinger, no bairro Melo; na residência da Márcia Sá, ali pelos lados da Catedral, e tantas e tontas outras casas... Era a família catibumense.
Nos ‘saraus’ estavam sempre os Eduardo, Djalmir, Tadeu, Rubinger, Junior, Procópio, Ritinha, Clarice, Kyrie, Márcia, Marta, Maria do Carmo, Reginauro... Devem ter outros, que esqueci pelo caminho.
Todo mundo era intelectual.
Todo mundo sabia de tudo.
Ninguém era besta de ser besta.
Ou éramos todos?
Ali tinha gente irônica, provocadora, genial e polêmica.
Ali mostramos os animais que existiam dentro de cada um, que nem conhecíamos ainda, mas que apareceram a partir daquele momento.
Ali várias partes fizeram um todo.
Era como um amontoado de histórias, com tramas paralelas oníricas...
A família catibumense sobreviveu até a TV Globo aparecer para fazer uma reportagem sobre esta turma que, queiram ou não, foi significativa para aquela década.
Depois de exibida, todo mundo virou estrela. Todo mundo virou artista. E artista que se preze é marginal!
O grupo acabou, embora todos sejam amigos até hoje.
Naqueles anos 1970, o Catibum tinha tudo para espocar a cilibina.
Mas virou apenas uma tragicomédia. Embora os frutos estejam aí até hoje, meio catibumesados, é claro, mas vivos e prontos para a vida.
Foi ali que comecei a escrever o primeiro e único romance de minha vida. Saiu tudo em menos de um mês. E ficou empacado durante anos. Fui incapaz de imaginar um fim para a história.
Durante 15 anos de minha vida, via aqueles devaneios alfarrábicos na estante, e nunca achava um final – feliz nem infeliz – para ele...
Até um dia que, após mais uma leitura de suas quase 200 páginas, queimei.
Hoje, me arrependo.
Nele, eu mostrava quase que o dia a dia daquele tempo, do Catibum e da Academia Juvenil de Letras... Duas histórias paralelas, completamente diferentes.
A vida continua.
Porque ela, a vida, é essa atividade inquieta, incansável e vazia de quem não se satisfaz com coisa alguma. Somos assim ainda hoje. Recomeçando sempre...
Mesmo sabendo que minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como Belchior...

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