domingo, 21 de novembro de 2010

O gorutubano Jackson Antunes. Ou melhor, Joaquim, meu amigo!

Passe-me teu chapéu em lua de agosto/
dá gosto te ver chegar, escreveu certa vez Almir Rosa.
Pois era assim que ele chegava em Janaúba, naqueles anos de 1980. Vinha às vezes de trem, às vezes na boléia do caminhão, sempre que podia de ônibus, da sua belorizonte distante, onde escolheu para viver. Mas gostava mesmo era de viajar de trem...
Era uma viagem um pouco tranquila, um pouco nervosa, onde caminhava para o povo que se destinou, a lua branca iluminando seu caminhar.
Café com pão/
manteiga não... A máquina a disparar, o coração a repicar que quer chegar, quer chegar, quer chegar...
Era uma viagem mágica, principalmente quando ia chegando pelo lado sul, vendo os lagos, azuis ainda, grandes ainda, do Dente Grande. Aquela maravilha de cenário.
Voltava para ver seu povo, sua família, para correr atrás da vida com Paulinho Pintor, Walmir e Aldo Pereira. Formaram um quarteto gorutubano que, no final dos anos 1960, início dos 70, começou a pintar e bordar na cidade gorutubana, depois que um circo passou e nenhuma donzela foi atrás do palhaço. Faziam peças de teatro, faziam circo, faziam as pessoas rirem, as pessoas chorarem, as pessoas viverem outras estórias.
Era Jackson Antunes, que traz Janaúba no seu peito.
Onde está, lembra do seu povo, de gorutubanos como Donato Durães, do rio Kuruatuba, do Buraco da Amélia, de Quinzim dentista, de Zé Carlos Moreira.
Foi na voz dele, declamando Patativa do Assaré, em um boteco na chamada “savassi gorutubana”, que conheci, primeiro, os lagos do Dente Grande.
Depois, lendas das terras altas e baixas.
Como a de Alfredo Mendes Lourenço, que quando vaqueiro de Antônio Ramalhudo, deu sua alma ao Diabo para ser o maior criador das caatingas. Pois Mendes Júnior encheu de gado desde a barra do Rio Verde até as cabeceiras do alto Catuny, desde o Quem-Quem até o Bonito e Mamonas, além do Brejo das Creoulas.
Gado dele não morria, não adoecia e nem apanhava bicheira.
Foi Jackson também quem me contou a história de João Faustino. Depois que assassinou o Padre Vitório, vinha toda sexta-feira de quaresma do São José do Gorutuba para virar lobisomem debaixo da gameleira do povoado que um dia ia ser Janaúba.
Tentou, com ajuda de poucos, fazer um filme sobre o Padre Vitório, na década de 1980. Não conseguiu.
Mas as lembranças das filmagens passam na frente da gente. Principalmente quando a gente senta com Quinzim, naquele boteco em frente ao seu consultório, na avenida do Comércio, comendo espetinho, bebendo uma cerveja gelada, olhando as pernas das gorutubanas que passam.
Foi Jackson quem me mostrou a mulher gorutubana e me fez apaixonar pelas suas serras, pelas suas terras, pelas suas matas, pelas suas grutas e seu rio.
Por ali, inclusive, encostei meu corpo por ali durante anos. Não para descanso, mas para aprender mais.
E como se aprende com os gorutubanos...
O gorutubano Jackson Antunes, hoje, não precisa de apresentações.
Já seus parceiros daquele quarteto gorutubano, sim: Paulinho Pintor continua em Janaúba, escrevendo suas peças teatrais, entre uma de faixa pintura e outra, entre um gole e outro, no Inferninho... Ops, Novo Paraíso! Me visitou dia destes, preocupado, mas cheio de alegria para dar, nunca para vender.
Aldo Pereira, que nasceu em Mato Verde mas aportou um bom tempo em Janaúba, veio para Montes Claros ser radialista. Aqui continua escarafunchando o teatro. As pinturas de faixas e letreiros ficaram para trás.
Walmir resolveu ser político. Hoje é prefeito de Nova Porteirinha, em cima dos seus cento e muitos quilos. Mas confessa que queria ter continuado a carreira e ser um hoje, um ator. Global, de preferência.
O ator/cantador Jackson continua com a mesma paixão pela música e pelo teatro, que veio do circo que faziam na cidadezinha de antigamente. Cheia de poeira e de um rio de praias e água dos mais bonitos. Hoje, nem tantas são as praias daquele rio antes caudaloso. Pode-se contar nos dedos. Sua areia foi levada, não pelo vento, mas para se construir Montes Claros. Parece aquela história que o Dó contava: pecar na igreja sempre foi mais gostoso.
Jackson começou por causa e no circo. Tinha mais ou menos oito anos quando um circo passou em Janaúba. Ele se apaixonou. Certamente pelo lado teatral. Naquele tempo o circo era dividido em duas partes, a parte principal que era o espetáculo normal e a segunda, reservada aos dramas, ao teatro. Hoje, isto acabou.
Os dramas vivem até hoje na cabeça de Paulinho Pintor. Ele guarda em casa os escritos das peças encenadas naquela época. E conta com orgulho como eram.
O quarteto fez dramas, comédias, viajou pelas cidades da região.
Daí, Jackson pulou fora. Resolveu ir mais longe. Primeiro, Montes Claros, onde apresentou um monólogo que fez sucessos no Centro cultural Hermes de Paula. Depois, a capital. Sempre pintando suas faixas para sobreviver. Com a chegada da televisão, o circo sofreu um esvaziamento e ele foi fazer teatro amador. E apresentando em Belo Horizonte, levou a vida, até ser descoberto numa fita demô que enviara a Globo.
Aí, começou tudo de novo.
Mas antes, voltemos lá atrás.
Nascido em Janaúba, em 28 de agosto de 1960, não conheceu seu avô, um grande aboiador que morreu no dia de seu nascimento. Criança, Jackson saía acompanhando as folias de Reis de porta em porta. Quando tinha oito anos, a família ganhou um rádio comprado pela irmã e tornou-se costume ouvir as transmissões do Programa Sertanejo Classe A, da Rádio Nacional de São Paulo, e acompanhar as interpretações de duplas como Tião Carreiro e Pardinho, Cacique & Pajé e Sulino e Marrueiro, entre outras.
Havia uma energia louca naquele rapaz.
Na época da rádio Gorutubana - e que época! –, sempre que estava na cidade ia lá, dar seus palpites, uma espiadinha, uma conversadinha, aquele bate papo gostoso.
Nossos encontros, entretanto, foram rareando, já que mudei para Montes Claros e ele, logo depois, foi estrear a novela “Renascer”, e o tempo para Janaúba diminuiu. Daí, né, foram poucas as escapadas. Uma delas, em 2009, durante a festa de agosto, onde fez show supimpa.
Como ator, atuou em diversas novelas na TV Globo, entre elas “O rei do gado”, na qual interpretou o papel de um líder sem-terra. Mas isto é história para mais tarde.
Nem todos conhecem a outra face do ator Jackson Antunes, que costuma interpretar papéis rústicos nas novelas.
Mas ele é cantor, um cantador matuto, como se autodenomina. Aliás, sempre foi. Lembra do avô? Pois... O tempo dos dois por aqui foi curto, mas é eterno.
O primeiro CD, “Jackson Antunes canta Téo Azevedo” (1998), foi gravado em 1998, após sete anos de negativas de diversas gravadoras. Gravou em seguida “Jeitão de Caipira”, em dueto com o cantador e violeiro paulista Tião do Carro. Em 2000, lançou seu terceiro disco, “Jackson Antunes, O Cantador Matuto”, onde canta Luiz Gonzaga, que alcançou em pouco tempo a marca de 250 mil cópias vendidas, sem aparecer no Faustão.
Em 2002 participou do CD das Irmãs Galvão nas músicas “Cabocla Tereza”, de Raul Torres e João Pacífico e “Chico Mineiro”, de Tonico e Francisco Ribeiro. No mesmo ano gravou “Veredas do Grande Sertão”, lançado pela Kuarup.
Lançou pela Kuarup o CD “Pé de Serra”, com produção de Téo Azevedo. Paralelamente, atuou na novela “Terra Nostra”, da TV Globo, encarnando um cantador matuto.
E segue lançando seus discos, “Quanta Saudade Dá”, uma homenagem ao ator Mazzaropi, com destaque para a faixa título com acompanhamento de Zé Américo.
Não perde uma festa de Folia de Reis de Alto Belo, promovida pelo amigo Téo Azevedo. Participa desde 1998, sempre desfrutando de grande popularidade entre seus frequentadores, habitantes das adjacências ou proveniente do Norte de Minas.
Seu espetáculo musical “Coração Caipira”, rodou por quase todas as terras deste Brasilzão de Deus. Tinha um cenário tipicamente sertanejo, uma “vendinha”, onde o ator contracena com dois companheiros de viola, Decão e Marimbondo de Chapéu, que além da viola toca uma rabeca por ele mesmo produzida.
Como músico, Jackson nunca compôs uma canção. Diz que não se atreveria, pois “existem tantos compositores maravilhosos...”. Sua preferência é pelos compositores “caipiras”, Tião do Carmo a Teo Azevedo. Para ele, Tião do Carmo, é o violeiro mais importante do Brasil.
Sobre a origem da música em sua vida, ele mesmo responde. “Não tem como, é..., não ter essa convivência com a música, por exemplo a nossa região não tem o berrante, lá usa o “aboio” e existem várias modalidades de aboio. Ao aboiar produz-se um som de canto, que os boiadeiros acreditam, e eu também acredito, que eles conseguem se comunicar com aqueles bichos tão irracionais através do canto, como as lavadeiras de rio comunicam com o rio. Não tem como, e não há a diferença entre uma voz bonita e uma voz feia, lá no sertão a gente respeita todas as vozes. Toda voz é linda, toda voz é bem vinda, porque o canto vem da alma”. Precisa explicação melhor? .
Para o jornalista e escritor Jorge Fernando dos Santos, com o múltiplo talento de ator, diretor teatral e cantador, Jackson Antunes nos dá um exemplo raro de fidelidade às suas raizes. Ao invés de faturar fácil, gravando músicas descartáveis bem ao gosto da mídia, ele prefere emprestar sua voz e seu prestígio global aos clássicos da genuína música de raiz..
Além de ator, cantador, Jackson é escritor. Tem livros publicados e livros a publicar. Tem um hipnotismo na fala. E um dos grande momentos de Jackson como ator, entre tantos, foi quando interpretou o matador que se apaixona pela vítima em “Memória de Embornal”, dirigido por Tizuka Yamasaki. O monólogo, de autoria de Íris Gomes da Costa, apresentava uma brasilidade de linguagem única. É a história de Zé Cabriolé, um “cabra matador que atira té com os pé...” Um dia ele recebe a incumbência de matar uma mulher. Para conhecê-la, recebe uma foto, mas se apaixona pela imagem da mulher do “retrauto”.
O espetáculo refaz o gosto pelo simples, pela poesia das palavras, pela sedução da linguagem popular brasileira. A interpretação de Jackson emociona e me impressiona.
Jackson participou de novelas diveras, “A Padroeira”, “Terra Nostra”, “Pecado Capital”, “Anjo Mau”, “O Rei do Gado”, “Irmãos Coragem”, “Renascer”... dentre outras! E de seriados como “Aquarela do Brasil” e “Memorial de Maria Moura” e do especial “Brava gente - “O diabo ir por último”.
Outro momento que marca é um relato feito em uma revista (que nem sei mais qual é): “Se encontro na rua um garoto negro, ou com deficiência física, e ele me pergunta se deve tentar a TV, tenho vontade de responder que não. A TV está cheia de closes que parecem quadros pintados, com muitos olhos azuis e peles de bebê. Chega ao ponto de anunciar um ator como a barriga mais bem malhada!”
Este é o gorutubano Jackson.
Ou melhor, Joaquim, meu amigo!

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