domingo, 21 de novembro de 2010

Meninos e meninas

Estrada, segundo o Houaiss, tem dois significados: via de trânsito interligando localidades e caminhos. E caminhos são muitos, direitos, tortos, esquerdos, certos, errados. São por eles que passeiam meninos e meninas. Dependendo da visão que se queira ter destes meninos e meninas, eles foram (e são) um circulo fascinante de amigos ativos, talentosos, livres-pensadores, que amo em triângulos. Eu podia hoje contar um pouco de história...
São meninos como Ricardo Xarope, por exemplo. Era um poeta sem conseguir escrever uma linha. Era um poeta do som e da imaginação. Sempre tratou meus versos como desenhos de sensações e criou cantares vagos, mas de sonoridade possante. Quantas vezes, nas noites boêmias, sentimos nossas almas como irmãs gêmeas...
Aline era uma revolucionária que queria ser normal. Sofreu com escolhas entre dois mundos, entre uma ordem burguesa e uma rebeldia natural. Sempre olhava para o céu como se estivesse no Vale da Lua, no Atacama. Apesar de contemporânea e de cantar tortuosamente, ou não, uma música relativamente moderna, Aline Luz nada tinha a ver com o cinema novo ou com a nouvelle vague francesa.
Já os escritos de Felipe Gabrich tem um quê de filme da nouvelle vague e um quê de moderninho. Tem uma irresponsabilidade e um frescor nos mesmos tópicos que podem até soar como um tanto esnobe para alguns leitores. Mas são relatos divertidos, sentidos, consentidos, que compõe o mundo que Felipe retrata tão bem. Não falta ambição em suas crônicas, em seus escritos, mas isso não deve ser confundido com arrogância.
Meu primo Mauro era taxista e a alma encantadora da rua...
Dilma só usa calcinha de algodão.
Grimaldo era o engraçadinho da turma do TG 04-087 naquele ano de 1972. Era ele o xavequeiro, o pegador, o ambicioso, o intenso, o provocador, o violento, o egomaníaco. Começamos nosso aprendizado em 15 de janeiro, e terminamos dia 19 de novembro, com o juramento à bandeira na praça Pio XII. Virei soldado de reserva. Grimaldo também só que continuou um tempo sendo uma mala, querendo ser o maior do mundo. Vagabundo, boêmio, louco. Genial! Desgracioso, mas amigo. Só isso.
Fátima de Paula teve um casamento aberto. Outros não foram tão abertos. E outros mais foram totalmente fechados. O dela era tão aberto que ela saiu pela porta e não voltou. Foi parar no céu.
O coração de meu primo João César segue cego e feliz, como uma carta extraviada, na alegria insegura da desorientação. Ele me ensinou que vemos a vida através do buraco da fechadura, de modo limitado. Então, para preenchermos as vagas, inventamos coisas...
Lurdinha tem uma personalidade única, ensimesmada. Já tentou o suicídio e fica muito perto de um clichê de narcisista. Crê sofrer por ser sensível e frágil, e ser tão frágil por ser sensível. É uma alma criativa e torturada, torturada por que criativa e vice versa. Era assim quando a conheci, é assim ainda, com aquela loirice e olhos de encantar serpente. É uma declaração de amor ao próximo.
Aroldo ama a algazarra, Este amante da balbúrdia sempre cavalga encostado ao meu sóbrio ombro. Colares era um artista inquieto. Tanto que vale a pena acompanhar seu trajeto. Barbosa é uma figuraça, que não segue a corrente. Está sempre em dia com sua rebeldia. Já Teixeira não é tão Syd Barret assim, nem um Dali, mas aqui faz artes e pinta o sete com um dicionário de lugares e figuras imagináveis. Joba é um poeta antropófago, e não uma abstração. Márcio Hiram é aquele primo que manda noticias, quadrinhas, lembranças no Natal. Gy Reis é um guerrilheiro maxista de origem burguesa, como tantos que se produzem na América Latrina. Já Gualter pode acender uma vela para Deus e outra para o diabo, pois é uma mera questão de ter os fósforos necessários.
Itamaury é um filme caseiro. Bem dirigido, com capricho e inventividade mas no fim das contas, um filme caseiro. Dem mudou de nome. Vai se chamar Rece Bem! Maluquices destes meninos.
Carlos Ronaldo tem uma imagem plácida e naturalista, brinca, joga bola, fez teatro e toca (mal) violão. É jovial e genial. Um cara que esta sempre legal, nascendo a cada minuto. Era neo-socialista, libertário, mas organizado. Hoje, não sei. Cuidadoso, vivia sempre em ponto de ebulição. Hoje, experenciou...!!!
Pitchu é representante da classe média ascendente, tem marido, filhos e sonha com o dia em que terminará de erguer uma loja na pequena cidade onde vive, no Norte de Minas.
Rubim? Para conhecer Rubim se requer humor e sabedoria. Era o Miles Davis da bateria do bloco Biô e Salomé. É, ainda hoje, uma espécie de meu Pajé. E segue a vida, sendo eterno aprendiz.
Luiz Carlos Vieira, o Luiz Gastabala, era amigo de Zé Trambique e Suruba. Veio do morro (Morrinhos), onde viveu seus melhores anos junto a Dona Linda, Marquinhos 98, Beto e outros. A casa de Dona Linda era sua casa, deixando sempre Dona Elza a espera, com um prato de comida pronto no fogão. Dava uma de lutador de Shaolin, e chegou a tomar uma garrafada de abortivo pensando que fosse pinga. Era daqueles que não deixava o Carnaval chegar, estava no Carnaval o ano inteiro. Foi mestre de bateria uma vez na Porteirinha de Wilson Cunha. Para ele, a bateria tinha que ser sentida, tinha que entrar na alma.
Não me lembro seu nome. Era uma mulher interessantíssima e bonitíssima, com mil lembranças para contar, mil histórias para narrar. Ficava no Mangueirinha ou no Espeto de Ouro praticamente até o dia amanhecer, com aquela voz forte, tomando suas caipirinhas numa boa. Depois que o marido levava as crianças na escola, passava para buscá-la.
Zé de Chorró pensou que sabia voar, e pulou de uma janela do quarto andar de um hospital em Belo Horizonte. Deve estar voando até hoje...
Celso de Marcão, Leal e Beatriz era irônico, sem ser mortal. Delicado, sem ser afetado. Seu tom seco era de uma doce melancolia. Era um jovem solitário e irascível. Tinha um humor ácido e podia ser maldoso. Desprezava qualquer tipo de autoridade. Sua vida daria um filme simples, sobre um personagem nem tanto, mas um senhor ator..
Altanir Castro e Silva, o Taninha, é um homem pequeno, mas de uma coragem imensa. Antigamente, era o sommelier de tubaínas. Hoje, não dorme a noite.
Marquinhos Doideira teve uma existência atormentada, marcada pela inquietação, por neuroses. Era obcecado pelo silêncio. Vaidoso, teve uma vida familiar tranquila, uma relação afetiva tépida, sem sobressaltos. Depois que sua mulher se foi, ficou paciente.
Emerson Cardoso era algo diferente. Cantou naquele show do cine Montes Claros algo performático. Tinha um visual andrógino e o corpo cheio de purpurina. Lembrava Ney. Com voz de Bethânia. Não era um nem outro. Nem é.
João Balaio está consagrado como cônsul-geral do Reino dos Países Baixos do Pequistão. Ainda hoje, um mistério. É de direita ou de esquerda? Altruísta ou ambicioso? João Balaio é um homem sério, que deixa a vida e a morte para trás.
Leonardo Campos era um leão da metro. Dava dois urros e o resto era fita. Ele, porém, habita o segundo andar da percepção.
Para os que foram e principalmente para os que estão, o tempo que resta deve ser bem vivido. A única certeza que temos é do instante presente, do minuto no qual sabemos que ainda estamos vivos. É incômodo sabermos que somos seres descartáveis, que vamos virar pó. Mas é a vida... Agorinha mesmo, saia um som da janela da casa do Eugerson, no inicio da Padre Augusto, que me chamou a atenção. Acho que gosto de São Paulo/ E gosto de São João/ Gosto de São Francisco e São Sebastião/ E eu gosto de meninas e meninos...
Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita
Tenho quase certeza que eu não sou daqui
Acho que gosto de São Paulo
Gosto de São João
Gosto de São Francisco e São Sebastião
E eu gosto de meninos e meninas
Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre
Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente
Estou cansado de bater e ninguém abrir
Você me deixou sentindo tanto frio
Não sei mais o que dizer
Te fiz comida, velei teu sono
Fui teu amigo, te levei comigo
E me diz: pra mim o que é que ficou?
Me deixa ver como viver é bom
Não é a vida como está, e sim as coisas como são
Você não quis tentar me ajudar
Então, a culpa é de quem? A culpa é de quem?
Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes
Preciso de oxigênio, preciso ter amigos
Preciso ter dinheiro, preciso de carinho
Acho que te amava, agora acho que te odeio
São tudo pequenas coisas e tudo deve passar
meninos e meninas

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