domingo, 21 de novembro de 2010

Porém com todo respeito, te carrego no meu peito

Tive um sonho, dia destes, com o Chico Buarque de Holanda. Não, não foi o sonho medonho desses que às vezes a gente sonha e baba na fronha e se urina todo e quer sufocar. Foi um sonho maneiro, mineiro, calmo, tranquilo, destes que a gente sobe a construção como se fosse sólido e ergue no patamar quatro paredes mágicas, tijolo com tijolo num desenho ilógico.
Não sei por que cargas d’água – sonho a gente respeita – Chico fez um show numa cidade do Norte de Minas e fui assistir. Liguei pro Chorró, fã condicional do compositor (não se esquecendo que ‘todo compositor brasileiro é um complexado’, como ensinou Tomzé). Nos encontramos ao lado da pensão que Chico estava hospedado com seus músicos. Pensão? Parecia a Pensão Nossa Senhora Aparecida, que existiu certa vez na Avenida do Comércio, em Janaúba. Mas a cidade não era a gorutubana, embora aquele pedaço lembrasse o Buraco de Amélia. Tentei que Inês fosse – ela estava numa roda de pagode – mas preferiu pagodear. Chorró levou Margareth.
Nos encostamos a um muro, em frente ao jardim da pensão, e ficamos curtindo ele lá, cantando. Se lembra quando toda modinha falava de amor/ pois nunca mais cantei, oh maninha/ Depois que ele chegou...
Como todo sonho deixa seus saltos, seus brancos (e até seus negros), e nem sempre a gente sabe como eles vem ou vão, já estávamos os três na sala de estar da pensãozinha, que agora parecia o hotel da mãe do Noriel Cohen, na rua Dr. Santos, em frente ao Bar do João e do Prontocor. Conseguimos falar com Chico, a quem chamei de “Seo” Francisco, com toda pompa e circunstância da música clássica que me vinha aos ouvidos naquela hora. E, ao invés do Chorró se derreter em lágrimas emotivas, isto aconteceu comigo. Chorei copiosamente quando Chico me abraçou. Gosto do Chico, de tudo que foi e é o Chico, de tudo que nos ensinou o Chico, mas sou fã do Caetano. E do Tino. Mas naquela hora, além de lágrimas, suas músicas tiritaram em minha cabeça. Da primeira, a Banda, que me levou aos tempos de minha mãe e tia Edi, mãe da Tereza Cristina, Márcio Hiram, Bete e Marcelo. Elas cantarolavam-na enquanto cozinhavam. Ou fritavam um bife. Acebolado.
Acordei com o verso ‘A minha gente sofrida’. Acordei com minha gente sofrida na cabeça. Essa gente sofrida que pede esmola na esquina, que morre na contramão atrapalhando o sábado, que não sabe amar, que vive por viver sem saber o por que. São as Sônias, Lucianas, Valdir; Cândidas, Lourdes, Felipe; Homeros, Rossinis, Terezinha; Mirim, Vanderley, Fatinhas; Lucias, Romanas, Waldomiro. São tantas pessoas.
Montes Claros está cheia de gente sofrida. Basta ler algumas páginas dos jornais. Pare nas páginas de Polícia e Sociedade. Morte, depressão, violência, gente sem vida. Nego humilhado, morto-vivo, flagelado. E não é sonho.
Da janela na copa das árvores vejo o dia envelhecer cinza, envolto num véu de bruma, dando tapinhas nas costas das casas, que respondem acenando luzes nas janelas. E a noite vai caindo lenta e jovem. É a hora mais linda e triste dessa minha terra, o lusco-fusco, a hora do Ângelus. Me lembro de um amigo meu, que não vale citar o nome, me perguntando se já fumei maconha. Ele conta que fumou a primeira vez e não sentiu nada. Sua noiva lhe perguntava, a toda hora: cadê o tapa? Cadê o tapa? E ele, com aquela cara engraçada, olhando para ela, rindo... Que tapa?
Outro, João, na época em que trabalhei na Transit, 1975, teve dois processos na polícia. Um como comunista. Outro como facista. Ele jogava mesmo os pobres contra os ricos. Chegava numa cidade, Varzelândia, Várzea da Palma, Cachoeirinha, fundava logo um clube para as pessoas mais humildes e pobres com tudo que o clube dos ricos tinha. Numa destas cidades aí, teve que sair de noite, escondido na boléia de um caminhão. Não sei hoje onde se encontra o João, que morava na Avenida Cula Mangabeira. Se apenas militou, se apenas o militaram. João sumiu, e pode nem estar mais neste reino da terra. Nem recebeu uma moda de viola ou virou folclore. Esqueceram dele. Estes militares...
Assisti uma vez uma senhora da sociedade nossa procurar um pastor e, para agradecer uma cura através de bênção, arrancar brincos, anéis, pulseiras e deixar tudo para a igreja. Eu nunca vi tanto dinheiro como tinha aquele pastor, que também era vereador e relojoeiro. Ele mandava pro banco o dinheiro em caixas de sapato. Tenho idéia de fazer um livro sobre este dublê de pastor e político. Era uma figura interessantíssima, amiga dos ricos.
Meus tios Eudipson, Euderson, Eunilson, Euridson, Duque, Oraide, Eulidson e Geraldo, foram embora da terra montes-clarina. Pai, Novaes Novo, ou Novaeszinho, foi o único a ficar, a ser enterrado junto com meu avô, João, o Novaes Velho. Angélica mora hoje no cemitério do Bonfim de Belo Horizonte, junto com Oraide, ali enterrada há um mês. João, no Bonfim de Montes Claros. Devem ter se encontrado no infinito eterno. Já pai e mãe ficaram juntos com o Rays. Muito da saída de meus tios das terras montes-clarinas veio do que aconteceu com João nos anos 1930. Principalmente num cemitério da cidade, a mando de Dona Tiburtina.
Tio Messias, que não entrou na cota dos tios anteriores – assim como tio Francisco – era otimista com relação às pessoas. Achava-as sensíveis à verdade. Se existia um dramão, ele discutia, resolvia. Pelo menos aparentemente. Para ele, se as coisas ficarem fechadas não entra ar, não tem possibilidades, não há o ponto-chave. Tem gente que fala tão mal da vida dos outros que dá até íngua.
E as tem as pessoas da cidade. Você já teve a curiosidade de conversar com elas? Por exemplo, Luzia. Diz: “lá no meu bairro tá faltando água. Lá em casa vai água duas vezes por semana. Ai, como eu fiquei velha depressa aqui em Montescraro. Nossa Senhora! Quando eu vim de minha terra era uma menina!” Já Antônio: “não acha um absurdo uma pessoa vir desse interiorzão pra se tratar em Montescraro? Sabe o que tenho mais medo? É procurar um ponto-socorro porque nem todo ponto-socorro atende a pessoa na hora. É difícil. Eu tenho visto aí a gente paga isso aquilo, precisa ir ao ponto-socorro tal e quando chega lá o filho tá morto”.
Marilda: “você escreve muito, é? Qual a linha que adota para escrever? No meu caso estou na linha do realismo fantástico. Será que a gente tem que se preocupar em ficar dentro de uma linha? Acho que não. Acho que a gente tem que escrever escrever escrever até com certa humildade para ver qual a linha final”. Helena: “No momento eu me sinto mal em Montescraro. Nos últimos anos, esta cidade se transformou numa cidade completamente ressecada, desumanizada. Pra gente não se estender muito sobre isso, vou te dar um exemplo que acho contraditório, desumano. Eu sou uma pessoa que gosta muito de música. Desde que me conheço. E hoje isso é um fenômeno massacrante. Tem a cidade invadida pela música de uma maneira insuportável, utilitária, e onde ninguém mais presta atenção a ela. Carro de som nos barzinhos, bicicleta de som pelas ruas, o som das casas de discos... Isso neutraliza completamente aquilo que a música pode significar para o homem”.
Jorge: “você já fumou maconha? Eu fumei uma vez mas no senti nada”. Seu Zé: “não gosto desta cidade, se eu pudesse voltava pro campo. Lugar de sossego pra criar família honesta é o campo. Aqui há coisa que não serve pra uma família assistir. Não conto com um filho honesto. Conto com um ladrão um perdido que não aprende nada. Só malandria”. Mauro: “Aqui, sábado e domingo, cai tudo na safadeza. Já foi no (...)? Vai todo mundo. Bicha, mulher, safado. A gente baixa lá pra sentir aquele treco. Agora, quem tem dinheiro vai pra boates. Meu derivativo é pinga e mulher. Tem outra coisa, gostei de uma menina. Não casei. Medo de chifre. Das safadezas. A maldade é muito grande. Fiquei sem vergonha mesmo. Ela sai com todo mundo. E come comigo”.
Lembra de Tom Zé? Aquele, de ‘todo compositor brasileiro é um complexado’? Pois é dele também o verso
‘Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito’

2 comentários:

  1. Oi luiz carlos, tudo bem? Que otimo encontrar o seu blog aqui, aliás esses dias todos estou tendo varias surpresas e conhecendo pessoas que na verdade já deveria ter conhecido a muito tempo. Estava aqui justamente na internet pesquisando sobre meu avô, e a um tempo atrás minha mae me mostrou uma foto sua, que aliás achei de cara, e comentei com ela que tive a impressão de que você era super simpático e bem humorado. se nao me engano foi num livro seu, estou certa? Sou filha da Maria angelica novais ribeiro, ´que é filha do meu querido sempre "vô novaes" o Eulidson Novaes. Meu nome é simone novais e moramos em sete lagoas. Voce se nao me engano é irmão da zelita certo? que aliás é uma pessoa muito querida por todos nós aqui de casa e pelos meus tios também : joão cesar e carmem lucia e familias. Bom, o que aconteceu pra eu estar procurando mais coisas sobre ele é que´devido a um ato de má fé de uma pessoa que estava tentando vender uma coleção de cachaça, eu o desmenti por tentar passar uma cachaça falsa, justamente uma das mais valiosas do meu avô, a do `Pelé que foram recolhidas por problemas com direitos autorais na epoca, e isso sem desde que era criança, meu avô foi um dos 5 felizardos que ficou com um exemplar entao, dai fui cutucando esta pessoa até ele mesmo desmentir que possuia a cachaça. Bem a partir daí resolvi postar a historia de vida do meu avo no meu blog e, a coisa tá tomando uma dimensão que eu nao esperava. O meu blog é novo acho que foi em outubro que o criei, mas sempre foi muito bem visitado devido aos trabalhos que realizei e ainda estou realizando em varias cidades brasileiras que poderei te contar em outra ocasição. Mas entao, as pessoas , empresarios , profissionais brasileiros e estrangeiros depararam com essa postagem e estao loucos a procura e cobrança de mais dados sobre o COLECIONADOR ,que foi o titulo que dei a ele nestas minhas postagens. Aí ja postei ate uma reportagem que nao sei se voce se lembra, o jormal Estado de Minas fez com ele. A reportagem foi muito boa, o jornalista que a fez em 1974 soube conduzir muito bem pois, ficou bem completa, onde dá para todos ja entenderem que o meu avô era uma pessoa muito especial e de todos os netos eu fui a privilegiada por ter passado mais tempo convivendo com ele. Quando ele morreu o meu primo e minha irmã a terceira aqui de casa eram bebes pois nasceram com 2 dias de diferença, a lucia e minha mae foram para o hospital quase que juntas, e daí veio toda a doença, seu estado ja ficou bem ruim e me lembro até hoje dos ultimos momentos que o vi, custei para acreditar que tinha morrido, principalmente por ser bem nova, nao o vi morto;mas deu pra conhece-lo o bastante para escrever e falar pra todo mundo quem foi Eulidson Novais. Aí o Joao cesar , meu tinho tá separando também um material que ele tem em vhs e vamos passar para dvd e postar também; mas o que quero mesmo de voce é que colaborasse também com essa homenagem que estou fazendo a ele, escrevendo algo que possa me passar para postar la no blog, contar alguma coisa real de sua convivencia com ele, sei la o que voce puder me passar. meu blog é http://simonenovais-setelagoas.blogspot.com .Dá uma olhada lá e de sua opiniao lembrando que nao sou escritora, mas to tentando fazer o melhor. alias me desculpe pela falta de formatação e letras minusculas mas é que to tão cansada mas fico querendo sempre mais coisas sobre ele que acabo ficando ate tarde mesmo porque ja estou de ferias de alguns trabalhos entao nao preciso acordar cedo. mas foi um prazer enorme encontrar voce e uma grande coincidencia tambem , justamente neste momento né? desculpe o tamanho do texto no seus comentarios mas eu sou assim mesmo, muito afoita e quando me envolvo numa coisa eu fico até meio chata incomodando todo mundo pra que as coisas realmente deem certo. mas aguardo seu retorno por email e pelo blog.

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