domingo, 21 de novembro de 2010

I want to hold your hand

Era início dos anos 60. A montesclarina província estava em marcha lenta. O bairro São José acabava ali, na rua Gregório Veloso. Depois, só uma trilha nos levava até o morro onde seria construído o DER. E ainda tinha aquela pinguela para atravessar, do rio de esgoto que passava ao lado do colégio São José. Ou então, se pulava!
Do outro lado da cidade, o bairro Todos os Santos começava a ser formado. Também uma pinguela, feita de uma árvore tombada, nos deixava atravessar o rio dos Vieira. Onde hoje está o Elos Clube, dos portugueses, ficava um dos nossos campinhos de futebol preferido. Tinha outro, mais abaixo, perto de um pé de araçá, onde nosso time, que tinha Márcio Hiran como artilheiro, enfrentava o de Marquinhos, que vinha com seu irmão, Márcio, como beque central.
Haviam gangues sim, naquela época! A nossa era da igrejinha do Rosário, que, derrubada, estava sendo, pouco a pouco, reconstruída. Ali era nosso quartel general. Tinha também a do Paulo Bobão, perto da Santa Casa (ele era uma dissidência nossa. Criou sua própria turma após mudar da Coronel Prates). E do Marquinhos, perto da rua Irmã Beata. As gangues brigavam. Muito! Mas no futebol. Quando não nos campinhos da nossa infância, durante o dia, na rua Coronel Prates, em cima dos paralelepípedos, a noite. Disputa da grossa. E com muito machucado, dedão do pé ferido, pois a maioria jogava descalço.
Uma das imagens que me vem agora, na lembrança, daqueles anos 60, é aquela da lata de sopa Campbell, de Andy Warhol. Ou o filme “Ben Hur”, com Charlston Heston. O Cine São Luiz, onde Baltazar, pai de Gêra Brandão e Luiz Carlos, vez por outra, nos deixava entrar de graça.
O Rays era quem levava para casa livros, revistas e discos. Os discos, preferencialmente, da nova música, o rock do Roberto Carlos. Fez até uma camisa vermelha, igual àquela em que ele aparecia na capa de um LP, o do Calhambeque. Bip-bip! Pai ficou retado, mas acabou concordando com as modernidades que começavam a nos aparecer. Era a vida que mudava naqueles anos de 1960. Também músicas de Elvis Presley, livros e revistas com fotos de Marilyn Monroe, os catecismos do Zéfiro, apareciam em casa. Fiz uma pequena coleção de revistas e livros. Mas uma das namoradas do Rays - acho que irmã ou prima do José Vasconcelos Câmara - disse que eu não podia ler aquilo. Pegou tudo e sumiu. Deve estar no seu quarto até hoje, pois logo depois ela e Rays se separaram. Praga de irmão. Hoje, minhas revistas, livros e catecismos devem servir, pelo menos, como souvenir para ela.
Lembro que pai, fã de carteirinha do presidente Juscelino Kubitschek, não foi na inauguração de Brasília, a nova capital do país. Mas comprou todas as revistas da época, Manchete e Cruzeiro, que até hoje estão guardadas.
Só no final daqueles anos de liberdade vigiada (afinal, os milicos pegaram o poder em 64), foi que descobrimos o movimento hippie, que pregava a paz e o amor, através do poder da flor (flower Power), do negro (black Power), do gay (gay Power) e da liberação da mulher (women’s lib). Os anos 60 foram de manifestações e palavras de ordem. Elas mobilizaram jovens em diversas partes do mundo. Inclusive na provinciana Montes Claros, que mudava de cara pouco a pouco. Em marcha lenta, é claro.
Foi nesses anos de mudanças, que ganhei meu primeiro jeans americano, o básico da moda de rua. Uma calça Lee, que desbotava e perdia o vínculo com as roupas normais. Presente do irmão mais velho. Aquilo dava liberdade e rebeldia.
Estudava no colégio São José. Indo ou voltando, passava pela zona, na padre Augusto, no fundo do antigo cemitério. Que delícia aquela mulheres com seus peitões nas janelas, nos chamando para nos tirar a virgindade. Aquela troca de olhares e aquela proibição juvenil. E que medo!!!
Irmão Jaime Damião batia em nossas mãos com aquela varinha de pescar. Seria sua varinha de condão. Por qualquer motivo: se não respondêssemos em francês, se participássemos de reuniões “obscuras”, como classificava as reuniões no DEMC de então. O montesclarino participava do movimento estudantil, que acabou explodindo e tomando conta das ruas em diversas partes do mundo. Contestávamos, aqui também, a sociedade, seus sistemas de ensino e a cultura em diversos aspectos, como a sexualidade, os costumes, a moral e a estética. E sobrava muito para mim. Sempre apresentava versões diferentes daquela mostradas nas aulas. Seria rebeldia?
Irmão Ladislau Figueiredo talvez achasse que fosse. Me chamava sempre a sua sala para pregar o “estabilismenth”. Mas não dava! Jornais, como o Correio da Manhã, revistas, como Realidade, nos abria a cabeça para outras coisas. Tanto que, no começo dos anos 70, quando já se tocava “Je T’aime, ma non plus”, “pediram” para que fôssemos trocar idéias em outras escolas. E lá fui para a Escola Normal... Onde encontrei com Celso Leal, Manoel Oliveira e Jaime Cruz. Para trás ficavam 11 anos de São José, e uma vida de estudos.
Em Montes Claros, mesmo em marcha lenta, também lutava-se contra a ditadura militar, o que iria mais tarde resultar no fechamento do Congresso e na decretação do Ato Institucional nº 5. Não se lutava como no Rio ou São Paulo, pois o Coronel Georgino marcava pesado. Mas lutava-se quando ele piscava...
A cidade seguia sua vida de interior. A renuncia de Jânio Quadros nos caiu menor que a morte de John Kennedy. Na casa de tio Geraldo e tia Edi, junto com Márcio, Tereza e Bete, torcíamos pelo Brasil na Copa de 62. Tia Edi amarrava o “rabo do diabo” embaixo de mesas, e sempre saia gols. Foi lá também que, em 65, nas tardes de domingo, assistíamos, numa TV preto&branco, cheia de chuviscos, a Jovem Guarda. E, mais e mais, a modernidade nos chegava. No cinema, Belle de Jour, com Catherine Deneuve, Bonequinha de Luxo, A Doce Vida do Fellini, até O Pagador de Promessas, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes.
O tempo passava. As quintas-feiras, que antes eram de almoço na casa dos padrinhos Elias e Zita Camargo, na Gregório Veloso, ficavam para trás. Elias já me servia uma Gin Tônica, e os quadros nas paredes pareciam mais interessantes. Eles moravam ao lado da casa do professor Raimundo Saturnino, pai do (até hoje) inquieto Paulinho Manga-Rosa. Que dupla: Manga Rosa e Perereca! Nunca chegamos a jogar, naqueles anos, pelo mesmo time de futebol. Embora jogássemos sempre no mesmo time de coração. O almoço da quinta era bife a milanesa com banana frita. Uma delícia! Feita pela Geralda, irmã de Belinha Grande, filha de Vó Mariinha, que morava na Malhada das Almas.
Não só Roberto, mas também os Beatles já rodavam na vitrola enquanto nadávamos na piscina do Max-min. Ou íamos em excursão, com tio Geraldo, para Pentáurea, aquele local longe, cheio de areia movediça, intocável. Foi na casa de tio Geraldo que escutei, pela primeira vez, o lp Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Que tapa na cara! O que era aquilo? Que música diferente, interessante, desbundante era aquela? Foi ali que começou tudo! Ou continuou...
E vieram filmes como Barbarella, com Jane Fonda. O disco Tropicália, ou Pane et Circenses, do Caetano Veloso. E 2001, Uma Odisséia no Espaço, do Kubrick, ali, no Cine Fátima. Os matinês do início da década, que formavam filas imensas no Cine Coronel Ribeiro, por causa dos seriados, ficavam para trás. A música já era outra, não aquele roquezinho do Calhambeque e de blusas vermelhas.
Para o desbunde ficar maior, Woodstock aparece! Eram três dias de paz, amor e liberdade. Nas telas, Easy Rider, sem destino. Com eles, porém, nos chega a morte chocante de Sharon Tate, esposa do Roman Polanski, naquele agosto de 1969. Aqui, Carlos Marighella era assassinado, em 4 de novembro daquela ano. A ditadura mostrava que não ia embora. Que ia nos incomodar, queria ou não Coronel Georgino.
Talvez o que mais tenha caracterizado a nossa juventude naqueles anos 60 tenha sido o desejo de rebelar, a busca por liberdade de expressão e liberdade sexual. O surgimento da pílula anticoncepcional foi responsável por um comportamento sexual feminino mais liberal. Porém, elas também queriam igualdade de direitos, de salários, de decisão. Até o sutiã foi queimado em praça pública, num símbolo de libertação. Os 60 chegaram ao fim, coroados com a chegada do homem à Lua, em julho de 1969. Woodstock Music & Art Fair, em agosto, reuniu cerca de 500 mil pessoas em três dias de amor, música, sexo e drogas.
Mas aqui, nestes montesclarinos sertões, todos achavam que a cidade continuava a andar em marcha lenta.
Mas era pura mentira!
Eu já pegava em sua mão...!!!

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