domingo, 21 de novembro de 2010

Já podeis, oh! filhos da puta...

Receba em teus braços de mãe protetora, a metralhadora que um dia empunhei,
agora já sei que essa força opressora vem esmagadora da corja do rei.
Lutei, mas meus sonhos foram esmagados, foram massacrados como tantos mais.
Pelo bem da paz eu fui expatriado, me vi exilado, jogado ao desterro,
e meu único erro foi ter ideais...
Estes versos me retornam à mente, 24 anos depois de ouvi-los numa noite ventosa gorutubana. E me confirmam que naquela noite de domingo, 13 de julho de 1986, votei certo, convicto, fiz o lobby mais do que perfeito para que “Pátria Amada”, do belo-horizontino Marco Holanda – um moreninho com cara de Bob Marley –, era a música certa para ganhar o 1º Festijan – Festival de Canção Popular do Vale do Gorutuba. O tempo passa, mas ele, o tempo, é que é matéria do entendimento...
Pois corria o ano da graça de 1986 quando surgiu, em uma conversa com o engenheiro José Carlos Moreira, na casa do Aroldo e Hilda Azevedo, com a presença ainda do Beija Flor, Marquinhos Doideira, Argentino Barbosa, Júlio Lacerda, ali, na rua Francisco Sá, abaixo da praça Dr. Rockert, a idéia de se fazer um movimento cultural em Janaúba. O objetivo seria o reavivamento e divulgação da cultura popular do Vale do Gorutuba. Além da valorização do artista da região e o intercâmbio das entidades culturais da cidade gorutubana.
Foi assim que surgiu o JANARTE – Movimento Artístico e Cultural de Janaúba. Tinha como meta, também, servir como agente de desenvolvimento da cultura, proporcionando condições aos artistas da terra de mostrarem os seus trabalhos a nível local, regional e, quiçá, nacional.
O sonho, porém, era muito grande. Conseguimos muito pouco para quem queria abraçar o Vale. Ou, quiçá, o mundo!
Uma das coisas boas que ficou foi o 1º Festijan, promovido pela Associação Comunitária de Janaúba, com apoio da Rádio Gorutubana. Tinha a frente, naquela época, as irmãs Antonia e Erenice Maria Ribeiro, além de Maria da Glória Soares e Vilma Rodrigues Silveira. Era um projeto grandioso, diga-se de passagem. A festa teria shows com Vinicius Cantuária, Ladston Nascimento, Tino Gomes, Charles Boavista & Gaspar Durães, culminando com Zé Ramalho da Paraíba, no último dia.
Não tenho ódio, nem guardo rancores. Não falo de flores como antes falava. São águas passadas, não movem moinhos, e um homem sozinho não faz carnaval... Este menino Marco, que nunca mais vi, nem conheci direito para mais do que dez palavras, não me sai da cabeça.
O festival foi realizado no parque de exposições, entre os dias 11 e 13 de julho de 1986, e apesar do vento daqueles dias, levou um grande público, além de levar à cidade muita gente de fora.
Entre os jurados estava Tadeu Martins, então diretor presidente da Turminas. Ele estava conhecendo a cidade pela primeira vez e adorou quando o levei a um boteco, onde serviam pinga com coco e fritada de piabas do Rio Gorutuba - naquela época, elas existiam e eram servidas em alguns bareszinhos. O dono do lugar, Toninho Sapateiro, consertava mesmo era a bicicleta, e depois resolver ir plantar coco no Jaíbão.
Hoje, tantos anos depois ,escuto a gravação destas canções. Algumas lindas, outras, nem tanto, mas que marcaram. E ainda dá nó no peito escutá-las. Ainda dá saudade dos amigos que estão naquela terra. Parodiando João Rosa, poderia dizer que amigo não é substantivo: é luz lembrada!
Não te quero mal, está é a realidade, mas trago a verdade no meu peito ferido. Eu não fui vencido, inda guardo pra mim o cheiro de alecrim do poeta da gente: esqueceram sementes em nosso jardim.
O Festijan movimento Janaúba. E as meninas da Associação Comunitária trabalharam certo. Minha casa virou pensão, hotel, abrigo para uma leva de gente. Edvaldo Pinheiro, Alexandre Souto, Fatel, Jorge Santos, José Basílio, Sandra Pezão, Eustáquio Correia, o sociólogo Tatá, que acampou no parque mas, sem aguentar o vento (que levou sua barraca), procurou a pensão... Minha casa era um entra e sai, coisa gostosa para quem está longe de casa.
A música vencedora foi, claro, Pátria Amada – Já podeis oh!, filhos da pátria, ver contente a mãe gentil/ Oh! Pátria Amada salve! Salvem meu Brasil/ Da mesma América que Colombo descobriu... Já podeis oh!, filhos da puta –. Marco Holanda, oriundo de Belo Horizonte, tinha uma voz forte, se fez acompanhar apenas pela viola, e impressionou não só a mim, mas muita gente que estava por ali. Marco era dono de uma interpretação pra lá de exótica. Quem assistiu nunca mais se esquecerá daquele sujeito estranho, dono de uma voz grave, que gritava ao final de cada frase. Fico sabendo agora que ele foi mais um que partiu, não sei para onde... Os anjos e querubíns devem acompanhá-lo em novas canções... Se é que não virou um anjo também. Um anjo de ébano, profano e extravagante.
Montes Claros ficou com o segundo lugar, com a canção “Acorda” – Vem, acorda desse laço, desse nó/ Mas não chora não, velha, morta cicatriz –. É de Junior Queiróz, que estava acompanhado por banda.
O terceiro, quarto e quinto lugares foram de Janaúba. O terceiro, com o grupo Portal do Sertão (na verdade o Canto Livre de Delvi, Tino, Bhá e Eliane). “Nascente” foi a música (Águas claras vem daquela fonte/ descem tranquilas por entre os montes/ trazem desejos, levam saudades/ pra minha amada, trazem felicidade). Também levaram o quarto lugar com “Cheiro de Chão” (A noite é fria quando não tem lua cheia/ quando tem vem clareando até a barra do dia/ este riacho quando seco dá cacimba em qualquer beco).
O quinto foi para a dupla formada por Vanderley Araújo e Lázaro Antunes, “Tropeiro do Vale” (Tropeiro do gorutuba/ acorda homem valente/ seu sonho já terminou/ e seu reinado fincou).
O Festijan marcou Janaúba, como marcou aqueles que dele participaram. Só por isso, vamos entrar no meio dele, hoje, como se estivesse acontecendo agora.
Por lá estavam – e se apresentaram – o montes-clarense Domingos Ramos (com a singela e romântica “Sem Preconceito – Você nem imagina/ o que existe dentro de mim/ são mil poemas criados no seu olhar!”). Um tempo depois, virou roqueiro.
O poeta José Basílio, de Coração de Jesus, que trazia o suingue nas letras e melodias que compunha. Morreu cedo, levado pela bebida. No Festijan mostrou-nos “Mortalhas” (Sonhei que tudo era fácil/ e me mudei nos traços/ que a vida traçou), e “Futuro Azul (Alerta total, Araraquara, maçarico, pirarucu/ eu escorreguem das nascentes/ e esbocei no futuro o azul).
O quarteto formado por João Mário Bhá, Delvi, Tino e Eliane apresentou ainda “Êxodo Rural” (Depois cresci e aprendi que a vida/ na cidade grande é uma subida/ mas pra subir é que a coisa muda/ pois pra descer qualquer santo ajuda) e a gostosa “Companheiro de Reis” (Na roça participei/ numa festa de reizado/ foi no mês de janeiro/ e não tava acostumado). Lançaram um CD muito bonito, mas seguiram viagem, cada um seu rumo. Dia destes me liga Bhá, morando agora em Januária. Gravou outro CD, que ficou de me mandar. Deve conter músicas gostosas, como as que sempre compôs.
Por lá passaram também Eustáquio Corrêa, de Almenara, com “Andante” (Se o mundo é uma viravolta/ eu vou dar a volta por aí). Seguiu seu conselho e hoje mora na Espanha, onde faz shows em bareszinhos, depois de penar por Portugal; a montes-clarense Lis Xavier, que defendeu “Vida” (Há tantas imagens. Versos/ músicas de Baha’u’lláh!).
Jorginho Santos com “São João Desilusão”, dele e de Ernani Camisasca (São João ta morrendo/ no mundo de agora/ O quentão esquentante de Dona Maria/ Acabou-se também/ Faleceu a euforia). Resolveu dar um tempo na terra e acompanhou Zé Basílio para o céu. O bocaiuvense Carlos Maia cantou “A Beleza do Amor” (Eu quero é viver. Cantar e sonhar/ eu quero é amar você). Hoje, faz dupla com Charles Boavista, do Raízes, e preparam novo CD.
Madson Athaide, de Montes Claros, com “O último sonho não será real”, dele e de Gute Brandão (O mistério está no ventre deste século 20/ as estrelas são destroços que se perdem no eco).
O piraporense Josecé Alves mostrou “Piramontes” (A velha estrada/ não tem morro nem chapada/ já sumiu a passarada/ ave de arribação). Depois da ARPPNM, lançou seu CD solo, gravou festivais mil e continua a vida de viajante musical. Muito bem, pode-se afirmar.
Milton Edilberto veio de Belo Horizonte com sua criação, a música pósfolia (ou new boi) “Carregando o Mundo” (Estamos na nova ré/ ré publica de maré/ de ci).
Élcio Lucas (com João Carlos Oliveira) tinha “Saci da Serra” (E morre o homem fraco/ homem que antes forte/ e morre o homem preso/ homem que antes, livre). Professor da Unimontes, deve compor, mas não nos mostra. Sacana, guarda pra si. Tudo bem. Não acredito que tenha aposentado da música, depois de ter lançado um compacto duplo meio pro roqueiro e um LP ambiental, que ouço sempre nas tardes desta cidade, principalmente quando vejo (ou lembro) do Verde Grande.
De BH, José Rubens apareceu com “Rosa do Sertão” (Gravatá/ mandacaru/ rosa do sertão/ olha lá quem vem chegando/ é o primo Lampião) e Embolada do Jequi.
Paulo de Souza Nunes, de Montes Claros, cantou “Nordestino” (Terra seca, rede vazia/ criança com fome/ passa mais um dia/ morre aos poucos, o homem). Ainda compõe vez ou outra, em Belo horizonte onde foi parar.
Nativo Xavier, de Porteirinha, compareceu com “Robot de Ferro”; Atualpa Viana, de Belo Horizonte, com “Real Natureza”; e Érica Viana, também da capital mineira, com “Novo Amanhecer”
Janaúba teve outros representantes.
O Grupo Musical Experimental por exemplo, formado pelo grande Donizete, acompanhado ainda por Ruy e Joaquim, cantou “Cor de um sonho” (Se tem cor da natureza/ me inspira o infinito/ porque existir a guerra/ se o amor é tão bonito) e “Chegada do trem” (Sinhá mocinha/ quando foi conhecer a estação/ fez a sua matutagem/ e arriou seu alazão); o cantor e compositor Carlito apresentou junto com Nilson a bela “Emoções” (Ouço as flores a me falar/ seu perfume a me tocar/ ouço o vento dizendo/ que vai me levar); Wagner Tadeu (com Mauro Sérgio) apresentaram “De Vago” (Nós somos máscaras sem nome/ onde se consome o ser ou não ser, feliz); Nelinho Gomes e sua “Tem que falar” (Sei que é difícil se ver/ as flores do campo florindo/ o verde da cor de mato/ mas não uma bomba explodir). E Cícero Billy Alves, com “Confissões de um errante”. Desta turma gorutubana, Cicero foi o único a se transformar em músico profissional. Lembro-me no dia que conseguiu sua carteira na Ordem dos Músicos, um sábado pela manhã. Gravou diversos CDs, e está em plena inspiração, preparando seu próximo rebento.
Quase 30 anos depois, aqueles dias devem estar ainda na cabeça de muita gente. Que participou, que ajudou a construir, e mesmo aqueles que só foram dar uma olhada. O Janarte vive, ainda, sem nome, pagão de pai e mãe. Pois é, falamos dos nossos sonhos, e quase entramos na fantasia da cidade...

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